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Resenha – “Religious Leaders and Conflict Transformation: Northern Ireland and Beyond”, de Nukhet A. Sandal

Por Kamila Alves Félix (PPGCPRI UFPB / CEPRIR)

Resenha de Livro

Religious Leaders and Conflict Transformation: Northern Ireland and Beyond
Nukhet A. Sandal
Cambridge: Cambridge University Press, 2017.
ISBN: 9781316614051.

[Essa resenha foi publicada originalmente em: Revista de Estudos Internacionais, v. 11, n. 2 (2020)]

A discussão sobre religião na esfera da Política Internacional, sobretudo na literatura acadêmica de Relações Internacionais – principalmente no que se refere à dinâmica dos conflitos – trata-se de um fenômeno em ascensão. Neste sentido, diversos estudos indicam que a religião apresenta um caráter dualista, sendo influente em questões relacionadas à paz e à violência. Ainda assim, é importante salientar que nesse campo de pesquisa há uma predominância de trabalhos abordando a religião enquanto um fator negativo – seja tanto como um intensificador quanto a causa de conflitos. Todavia, no que se refere à questões de paz, é possível perceber que a religião é capaz de apresentar um fator positivo podendo colaborar em diversos viéses, tanto na mediação e transformação de conflitos quanto construção de paz.

Lançado em 2017, pela Cambridge University Press, “Religious Leaders and Conflict Transformation: Northern Ireland and Beyond” é produzido por Nukhet Ahy Sandal (Diretora de Estudos de Guerra e Paz da Universidade de Ohio, onde leciona Ciência Política. Os principais temas de estudo da autora estão concentrados em religião, sociedades divididas e política externa). A obra em questão faz parte de uma tentativa de colaborar com a discussão sobre o papel positivo da religião nos assuntos de paz. Analisando uma temática ainda pouco abordada, a saber a situação de atores religiosos em conflitos, a autora visa compreender e explorar a dinâmica que atores religiosos apresentam na transformação de conflitos, apresentando a Irlanda do Norte como caso.

O livro é dividido em sete capítulos e a autora busca enfatizar a necessidade dessa agenda de pesquisa na literatura acadêmica. Durante décadas, a Irlanda do Norte foi cenário de um conflito entre católicos e protestantes e resultou na morte de milhares de pessoas. Mesmo assim, é importante salientar que este conflito não é sustentado somente por questões religiosas, apresentando também caráter político, econômico e étnico, sendo inclusive, questão de discordância entre autores quanto à motivação principal do conflito. A participação de líderes religiosos, comunidades baseadas na fé e organizações internacionais foram relevantes para a assinatura do acordo de paz (Acordo de Belfast) em 1998. Ao explorar essas atividades, durante toda a obra e com caráter intertemporal – juntamente com os acordos que existiram nesse período, Sandal convida o leitor a questionar sobre a influência desses atores religiosos na transformação de conflitos.

No primeiro capítulo “Religious Actors and Conflict Transfromation: Theory and Practice”, a autora apresenta conceitos norteadores acerca da teoria e prática utilizadas por atores religiosos. A principal contribuição nesta parte se refere ao conceito de comunidades epistêmicas e as adaptações que a autora aplica à essa teoria ao situar aos atores religiosos no debate. Ao entender que os atores religiosos podem se organizar enquanto comunidade epistêmica, eles podem construir um corpus de conhecimento especializado e, consequentemente, contribuir para a tomada de decisão na vida pública, tornando-se um fator relevante na transformação de conflitos. Essa percepção, sustentada pela Teologia Pública Inclusiva praticada pelos atores, é crucial no conflito norte irlandês. Compreender e reconhecer os atores religiosos, enquanto comunidade epistêmica, demonstra de forma teórica, a contribuição destes para a transformação de conflitos naquela região. Ainda neste capítulo, a autora determina como será a metodologia, o material que será utilizado bem como as limitações que a pesquisa apresenta.

Em “Situating Religious Actors in Irish Political History”, o segundo capítulo do livro, Sandal procura estabelecer as raízes do problema na Irlanda do Norte, fazendo em grande medida um resgate histórico. A importância do resgaste histórico na obra é apresentada pela autora de modo a fundamentar o desenvolvimento do conflito bem como entender a importância que a história possui para a transformação do conflito. Em sentido de contextualização, ao definir a relação entre religião e a política norte irlandesa e a descrição das quatro principais igrejas do país (católica romana, presbiteriana, metodista e Igreja da Irlanda), a autora demonstra ao leitor a relevância da religião na sociedade e política, assim como os pontos de convergência que essas duas esferas possuem na Irlanda do Norte. A partir dos próximos capítulos, Sandal apresenta o desenvolvimento do comportamento e posicionamento dos atores religiosos durante o período dos anos 1960 até meados do fim dos anos 1990.

No terceiro capítulo denominado “Churches in ‘Troubles’: Leaders, Institutions, and Political Involvement”, a autora procura mostrar o papel que os atores religiosos possuem no período inicial supracitado. É a partir desta época que há uma reconhecimento por parte dos atores religiosos do peso que a religião possui no conflito e, aqui, a autora demonstra as mobilizações iniciais, representadas nas formas de marchas e manifestações, que os atores religiosos tiveram durante o período, sobretudo no Acordo de Sunningdale. É durante os acontecimentos em torno da violência que há essa convergência prática entre política, atores religiosos e sociedade civil. No quarto capítulo, “From Diagnosis to Treatment: Devising na Inclusive Public theology of Citizenship”, a autora compreende o poder e papel ativo que as quatro igrejas possuem ao ver que podem ser um elo entre a comunidade e políticos. Este comportamento apresenta um papel bem debatido nos estudos de paz, isto é, em como a participação de outros setores da sociedade são importantes no processo de transformação de conflitos em sociedades divididas. Apenas a partir do quinto capítulo, “Public Theology of Inclusive Governance: Peace Deals and Political Agreements“, é que as práticas do processo de construção de paz são enfatizadas veementemente. Neste capítulo, Sandal consegue demonstrar, de fato, o comportamento dos atores religiosos e como esta organização, enquanto comunidade epistêmica, influencia na transformação de conflitos. O ponto de virada dessa mudança é refletida no comportamento dos atores religiosos diante da assinatura do Acordo de Belfast em 1998, ou seja, os atores ao entender que conseguem ser a ponte entre a sociedade civil e governos, possuem um papel de fortalecer práticas pacíficas na comunidade e manifestar os anseios desta população aos governantes, de modo a diminuir a violência na região.

O sexto capítulo, “Religious Epistemic Communities in a Postconflict Setting”, reflete acerca do cenário pós-acordo na Irlanda do Norte. Seguindo a mesma linha de conduta apresentada no Acordo de Belfast, os atores religiosos entendem que a construção de uma paz sustentável não chega ao fim apenas com a assinatura de um acordo de paz. As práticas para promoção de paz vão além de líderes religiosos e agora possuem apoio institucional das igrejas. Esse fator se torna primordial no trabalho da autora e reflete a importância da religião neste cenário. Por fim, no sétimo capítulo “Beyond Northern Ireland: Religious Expertise and Conflict Transformation”, Sandal apresenta perspectivas que vão além da Irlanda do Norte. Ao ampliar seu ponto de vista para África do Sul, Colômbia, Serra Leoa, Filipina e outras regiões, ela demonstra a amplitude que este tema pode oferecer. Ao entender que a religião apresentou comportamento positivo na transformação de conflitos na Irlanda do Norte, ela indica previamente o comportamento de diversos atores religiosos em outras regiões e convida o leitor à refletir sobre esse tema nessas regiões. Ademais, a autora também aponta que o conflito pode não possuir viés religioso, mas as práticas que uma comunidade epistêmica religiosa detêm podem ajudar o processo de transformação de conflitos em sociedades divididas e, com efeito, determina práticas norteadoras que podem servir em pesquisas futuras.

Funeral of Victim, Gladys Maccabe, 1969

Entender o papel de atores religiosos na transformação de conflitos se mostra uma ferramenta imprescindível na área de estudos de conflitos visto a complexidade que este trabalho apresenta. A transformação de conflitos necessita de um grande conjunto de conhecimento e o elemento religioso é um deles, como sustentado pela autora. A relevância desta obra está em apresentar um arcabouço teórico significativo para compreender o fenômeno dos atores religiosos na transformação de conflitos. Visto que ainda se trata de uma agenda de pesquisa relativamente recente, os esforços para entender a atuação desses atores diante do conflito ainda estão sendo fortalecidos. A partir dessa construção teórica, Sandal consegue fornecer uma nova perspectiva para o estudo da religião na política internacional, aperfeiçoamento de conceitos e apresenta caminhos a serem discutidos que vão além da Irlanda do Norte.

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