Sem categoria

Caso Mahsa Amini e os protestos sobre o uso obrigatório do hijab no Irã

Por Ana Virgínia Silva (UEPB)

A morte da jovem Mahsa Amini, de 22 anos, desencadeou uma onda de protestos violentos no Irã que levou milhares de manifestantes às ruas com o intuito de lutar e reivindicar os direitos individuais femininos sobre o uso do hijab, bem como protestar contra a repressão e violência policial praticada pela polícia da moral iraniana. Até o momento, o governo iraniano tem respondido com repressões policiais aos protestos, bem como restringindo os serviços de internet móvel do país.

Mahsa Amini, jovem da cidade de Saghes, Curdistão, estava em Teerã em uma viagem com seu irmão para visitar pontos turísticos da capital iraniana. Ela foi presa pela polícia da moralidade por, supostamente, não fazer uso do hijab, que possui uso obrigatório no país. Ainda no mesmo dia, a jovem foi levada pela polícia ao hospital, onde chegou sem vida. As autoridades policiais alegam que ela teria sofrido um infarto. No entanto, sua família relata que Mahsa era uma jovem saudável, sem nenhum histórico de problemas de saúde, o que leva à suspeita de que sua morte tenha sido causada pela brutalidade policial.

O caso gera indignação, não somente nacional, como internacional, pela grande incidência de casos semelhantes quando se trata sobre a obrigatoriedade do uso do véu. Muitos vídeos circulam na internet de mulheres sofrendo agressões da polícia moral por não fazerem uso do hijab ou por deixarem parte do cabelo à mostra. 

A questão do uso do hijab é muito debatida desde o início do XX no Irã, e os protestos femininos não são uma excepcionalidade. As mulheres iranianas desde muito tempo possuíam participação ativa nos processos e transformações políticas do país, possuindo um papel muito importante nas mobilizações sociais. Entretanto, o uso do hijab só começou a entrar em pauta na primeira metade do século XX, quando o pai do Irã moderno, Reza Xá Pahlevi, incluiu na agenda do país a questão da vestimenta das mulheres. Durante o governo do Reza Xá Pahlevi, pai do último xá iraniano, Mohamed Reza Pahlevi, as mulheres sofreram uma primeira violação dos seus direitos com a proibição do uso do hijab em 1936. As mulheres mais ligadas ao Islã se viram obrigadas a abandonar o véu e sair às ruas carregando o sentimento de exposição e humilhação, visto que na cultura islâmica, o uso do hijab diz respeito à relação religiosa daquela mulher com Allah, bem como a sua preservação contra os anseios masculinos e enfoque na sua beleza real. Em contrapartida, a abolição do uso do véu, foi tido como uma conquista para a grande maioria das iranianas.

Assim que o Xá Mohamed Reza Pahlevi assumiu o poder, ele iniciou uma série de modernizações no país. Esse processo ficou conhecido como a Revolução Branca, que concedeu igualdade de direitos políticos e o direito ao voto feminino em 1963. E embora o Xá fosse um autocrata, era reconhecidamente um líder progressista que buscava ocidentalizar o Estado Iraniano. Com isso, o seu governo trouxe diversas conquistas femininas, mas, enquanto uma pequena parcela da população feminina estava de fato se beneficiando das novas medidas que traziam a possibilidade de ocuparem cargos políticos e terem acesso a uma melhor educação, a maioria das mulheres ainda se viam presas aos papéis tradicionais. 

Ainda com todas essas conquistas, e a prosperidade econômica do país devido às reservas petrolíferas iranianas, a ampla maioria da população do Irã não se beneficiava dessa riqueza. A situação se agravou ainda mais com o caráter repressivo que o regime do Xá tomou contra os seus opositores políticos. Bem como o Xá ainda tinha preocupações com os líderes religiosos xiitas, que insatisfeitos com o processo de ocidentalização e a forma como o Islã vinha sendo escanteado pelo governo do Xá com as novas configurações do sistema, inflamavam a população para que se manifestassem contra o regime, nomeando Pahlevi o inimigo número 1 do Islã. Logo, o cenário em que o Irã se encontrava era de um Estado onde a população não usfruia do crescimento econômico vivenciado, não possuía liberdade de imprensa ou liberdade política, onde qualquer ato de ativismo político poderia resultar em cadeia, e os líderes religiosos estavam incomodados com a condução do regime. Além disso, com a ascensão de elementos tradicionalistas na sociedade, Pahlevi também retirou seu apoio à adesão de mulheres aos cargos de influência política. 

Dessa forma, o Xá Mohamed Pahlevi, tinha muitos setores da sociedade iraniana insatisfeitos com a condução do seu regime. Assim, surgem as figuras dos Aiatolás, chefes máximos na hierarquia religiosa dos muçulmanos xiitas, que estavam à frente da organização de atos e protestos, muito embora a Revolução Islâmica tenha contado com iranianos de diferentes graus de religiosidade. As mulheres participaram ativamente dos atos, lutando em prol de suas liberdades individuais, e foram parte integrante das forças revolucionárias que depôs a monarquia Pahlevi.

Porém, após a ascensão do Aiatolá Khomeini e a instauração de um governo teocrático islâmico no Irã, muitos grupos que participaram da revolução com a ideia de conquistar a liberdade, desiludiram-se com o novo governo que estava longe de ser democrático e tiveram suas expectativas frustradas. As mulheres iranianas se viram segregadas, com suas liberdades individuais cerceadas, não tendo poder de escolha nem sobre suas próprias vestimentas, visto que ainda no ano da revolução, 1979, o Aiatolá declarou que as mulheres deveriam ficar atentas quanto ao código de vestuário islâmico. Essa declaração de Khomeini gerou uma grande revolta entre a maior parte da população feminina que foi às ruas protestar contra o uso do hijab, quando foram duramente reprimidas pelo governo teocrático. Assim, nos anos posteriores, outros decretos sobre a obrigatoriedade do hijab foram sendo feitos, até que em 1983 foi decretado o uso obrigatório do véu para todas as mulheres dentro do território iraniano, incluindo mulheres não muçulmanas e estrangeiras.

Desde o período da instauração do regime Teocrático no Irã, as mulheres iranianas têm sofrido fortes repressões, principalmente da polícia da moral, órgão responsável por monitorar o cumprimento das regras morais e religiosas do Estado. No entanto, as mesmas nunca deixaram de se organizar em movimentos para lutar pelos seus direitos. E o caso recente da morte de Mahsa Amini nos mostra isso. Os atuais protestos que têm acontecido no Irã não se limitam somente às ruas das cidades, como também estão presentes nas redes sociais. 

Nos últimos dias, a hashtag #MahsaAmini foi uma das mais compartilhadas nas redes sociais, e com ela muitos vídeos de mulheres cortando os cabelos ou queimando o véu em solidariedade tem viralizado também. Grandes veículos de comunicação, desde o estadunidense The New York Times até o Japan Times, têm feito coberturas sobre a morte da jovem. Da mesma forma, líderes internacionais também têm condenado a morte de Amini e os episódios de repressão aos manifestantes. O presidente iraniano, Ebrahim Raïsi, prestou condolências aos pais da vítima e ordenou que fosse aberto um inquérito para que fosse investigada a causa de sua morte. A Organização das Nações Unidas, contudo, exigiu a abertura de uma investigação independente sobre o caso.

Dessarte ao fato do presidente iraniano ter se mostrado “disposto” a contribuir como agente facilitador para a investigação do caso, Raïsi juntamente com religiosos ultraconservadores do Parlamento vem tentando endurecer o cumprimento das leis islâmicas. Não só isso, como até o momento já foram noticiados pela ONG Iran Human Rights (IHR) contabilizando 76 mortes e mais de 700 prisões entre os manifestantes. Além disso,  em torno de 20 jornalistas também foram presos por noticiarem a morte de Amini, segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). Bem como os serviços de internet móvel foram interrompidos em algumas localidades.


Ana Virgínia Santos da Silva (UEPB)

Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba. Integrante do grupo de pesquisa do Centro de Estudos em Política, Relações Internacionais e Religião (CEPRIR – CNPq/UEPB).


Recomenda-se a leitura de:

BBC News Brasil (2022). Como era a vida das mulheres no Irã antes da Revolução Islâmica. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63038853

Deutsche Welle (2022). Iran’s escalating violence: Death toll rises in unrest over Mahsa Amini’s death. https://www.dw.com/en/irans-escalating-violence-death-toll-rises-in-unrest-over-mahsa-aminis-death/a-63195982

Deutsche Welle Brasil (2022). Morte de iraniana que não usava véu causa indignação. https://www.dw.com/pt-br/morte-de-iraniana-que-n%C3%A3o-usava-v%C3%A9u-causa-indigna%C3%A7%C3%A3o/a-63184959

Deutsche Welle Brasil (2022). Mulás do Irã temem a ira das mulheres. https://www.dw.com/pt-br/opini%C3%A3o-mul%C3%A1s-do-ir%C3%A3-temem-a-ira-das-mulheres/a-63232097

Media Talks by J&Cia (2022). Ao menos 20 jornalistas são presos por cobertura ou posts sobre protestos no Irã, diz ONG. https://mediatalks.uol.com.br/2022/09/27/ao-menos-20-jornalistas-sao-presos-por-cobertura-ou-posts-sobre-protestos-no-ira-diz-ong/

Zanoni, D. A. (2019). DO XÁ AO AIATOLÁ: As representações sobre a Revolução Iraniana através da Revista Veja (1978-1979). Revista Cantareira, (18). Recuperado de https://periodicos.uff.br/cantareira/article/view/27734

Deixe um comentário