Resenhas

Prefácio de “Frei Betto e o Socialismo Pós-Ateísta”

 

Betto

BENTO, Fábio Régio. Frei Betto e o Socialismo Pós-Ateísta.1. ed. Porto Alegre – RS: Nomos, 2018. v. 500. 163p .


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Qual é a função da religião e da religiosidade para a revolução? O quão autêntico, autônomo e inevitável é o papel do ateísmo para o pensamento marxista? De que forma os soviéticos absorveram e, de certa forma, realizaram uma autofagia da relação entre a religião e a luta de classes? Quais pensamentos foram preteridos e obscurecidos nesse processo, e como o pensamento leigo, ateu mas não ateísta, sobreviveu aos anos de glória do ateísmo soviético? A obra de Fábio Régio Bento tenta responder algumas dessas questões, trazendo à luz uma reflexão profunda sobre as novas dúvidas que surgem mesmo das respostas a tais provocações.

Tendo como ponto de partida a noção de que o ateísmo do socialismo soviético não deriva do marxismo, mas de fonte externa ao marxismo, adotada por Lenin e levada por ele dentro do socialismo soviético, o professor Bento disseca o desenvolvimento dessa relação falaciosa entre ateísmo e socialismo. Tomada como inconteste por anos, essa lógica faz, na verdade, parte do que entende como um “pacote de erros” que foi exportado pelo leninismo para suas contrapartes socialistas pelo mundo, como fica claro quando da colocação dos materiais advindos dos russos e recebidos em Havana, para educação de sua gente. Assim, por uma herança marxista que não pertence a Marx, o ateísmo soviético, dado agora como socialista, travou batalha dura em campos internacionais com os católicos anticomunistas que, por sua vez, também não representavam homogeneamente sua classe.

E é nesse ponto que a presente obra oferece sua mais intensa e fascinante contribuição, o papel do brasileiro Frei Betto, em suas andanças, falas e escritos, na interpelação entre os católicos, sua igreja, e os regimes socialistas por onde passou. Betto, um internacionalista por essência, muito antes que o campo das Relações Internacionais fosse pensado e executado no Brasil, atuou numa área da diplomacia das mais delicadas, apaziguando, mas jamais pacificando, as relações entre as partes. Betto é sinônimo de ação e movimento, por conseguinte agindo por meio de provocações intelectuais que forçaram a reflexão sobre ateísmo e socialismo em Havana, Praga e mesmo Moscou.

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Betto é o pensamento acadêmico que não se desprende da realidade, e o professor Bento retrata o peso de suas ideias não só na reflexão, mas nas transformações políticas e numa revolução da revolução por onde passou. É através de Betto que podemos entender o conjunto de ritos, ícones e mitos do socialismo soviético, ora exportado, como um sistema confessional, tão religioso quanto a Igreja Católica, por exemplo. É através de Betto que compreendemos que o ateísmo de Marx era individual, não proselitista. E é com Betto e na sua angústia, que acompanhamos o distanciamento do governo Lula das mesmas especificidades que o primeiro reforçou por onde passou, a centralidade da base. Essa base, que deveria estar no centro e em movimento, foi abandonada à letargia, pela ausência da alfabetização política que tanto queria Betto.

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Esse é o ponto, aliás, que conecta Frei Betto ao socialismo em sua essência, mas não o socialismo ateísta porém confessional dos soviéticos, o socialismo da base no topo, que encontra coro na obra de Rosa Luxemburgo, também dissecada com cuidado na presente obra. Em Rosa, vive e pulsa o que entendo como um “antagonismo inevitável” com os socialista soviéticos. Não reside no foco a figura do líder ilustrado que conduz a massa, mas a própria massa, com suas peculiaridades que devem ser aglutinadas à revolução, tal qual a religiosidade.

Enquanto religiosos e socialistas, tanto Betto quanto Bento encontram um aliado inesperado no Papa Francisco. Bergoglio é argentino, e sua posição antissistêmica no mapa, reflete-se em atuação antissistêmica na política internacional. É Francisco que revisa o papel da igreja em relação ao sistema capitalista e é Francisco que renova o papel da base na igreja e para a igreja. Onde antecessores apontavam a possibilidade de transformação do capitalismo, Francisco aponta sua irreversível necessidade de substituição.

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Colocando em foco os movimentos populares, Francisco fala diretamente com Betto, e fala com Rosa Luxemburgo, e dialoga com quem espera o que o professor Fábio Bento chama de mudanças de ordem estrutural, pela superação de um sistema gerador da negação prática, cotidiana, da fraternidade inter-humana. Dessa forma, a obra em questão não afasta os crentes da sua fé na vida eterna, mas reforça seu papel na transformação da vida terrena.


Você pode baixar o livro Frei Betto e o Socialismo Pós-Ateísta, clicando aqui. 


Por Fábio Nobre (UEPB)

Professor do Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais e da graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Pesquisa o campo da Religião e Relações Internacionais, com foco especial para a relação entre violência e religião. Pesquisa o campo dos Estudos para a Paz e Segurança, com foco especial para a Segurança Humana e as metodologias de estudo da Segurança Internacional. Doutor (2016) e mestre (2013) em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Compõe o comitê gestor da da Rede de Pesquisa em Paz, Conflitos e Estudos Críticos de Segurança (PCECS). Coordena o Grupo de Estudos em Política, Relações Internacionais e Religião (GEPRIR – UEPB)

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