Debates

Breve observação sobre os nacionalismos secular e religioso

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Rip Van Winkle, oil on canvas by John Quidor, 1829; in the Art Institute of Chicago.

Como fundamentos para os estados-nação, o nacionalismo religioso e o nacionalismo secular são frequentemente vistos como pólos opostos. Aqueles que valorizam o nacionalismo secular frequentemente descrevem o nacionalismo religioso como atrasado, irracional, repressivo e violento. Em contraste, o nacionalismo secular é descrito como moderno, racional, liberal e pacífico. Por outro lado, aqueles que valorizam o nacionalismo religioso geralmente descrevem o nacionalismo secular como imoral, individual e um vestígio do colonialismo. Enquanto o nacionalismo religioso é representado como moral, comunitário e uma forma de autodeterminação.

Todas essas representações perpetuam mal-entendidos comuns sobre religião e secularismo. Na realidade, o nacionalismo religioso e o nacionalismo secular são termos genéricos que incluem ideologias incrivelmente diversas. Seus valores podem ser sobrepostos ou opostos, dependendo do contexto social e histórico.

Por exemplo, em 1923, a República da Turquia foi formada como um Estado secular, após a queda do Império Otomano. Seu primeiro presidente, Kemal Ataturk, trouxe reformas abrangentes que substituíram o domínio e a cultura muçulmanos, por uma forma particular de secularismo. Na década de 1970, a Turquia era o mais secular de todos os países de maioria muçulmana. Mas a desigualdade desenfreada e a percepção de corrupção do governo deram origem a partidos islâmicos que ganharam poder suficiente para, em 1996, formar um governo de coalizão.

Em resposta, funcionários seculares impuseram uma proibição pública a um símbolo do Islã, o lenço na cabeça. As mulheres que usavam o hijab não podiam mais estudar na universidade. E uma parlamentar democraticamente eleita, chamada Merve Kavakci, representando o Partido da Virtude Islâmica, foi impedida de prestar juramento por seus colegas membros seculares da Assembléia Nacional.

Quando ela entrou no parlamento, eles se levantaram e gritaram por 30 minutos, até que ela foi forçada a sair. Duas semanas depois, ela foi destituída de sua cidadania turca. Essas e outras restrições relacionadas encorajaram membros de partidos políticos islâmicos. E o atual presidente, Recep Erdogan, é um islâmico que detém o poder desde 2003.

Em outro exemplo, os Estados Unidos são uma nação secular, mas sua moeda está impressa com In God We Trust. O juramento de lealdade inclui a frase uma nação sob Deus. E 42 dos 45 presidentes dos EUA se identificaram como cristãos protestantes.

A Índia também é uma nação secular, mas nas últimas décadas, nacionalistas hindus democraticamente eleitos ganharam poder. Eles promulgaram reformas na educação e na cultura que promovem formas particulares de hinduísmo que muitos outros hindus e membros de outras comunidades religiosas e seculares consideram preocupantes.

Como todas as visões de mundo, as formas religiosas e seculares de nacionalismo só podem ser entendidas em seu contexto social e histórico particular. A compreensão de sua rica diversidade aumentará nossa compreensão dos movimentos nos níveis local, nacional e internacional.


Por Fábio Nobre (UEPB)

Professor do Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais e da graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Pesquisa o campo da Religião e Relações Internacionais, com foco especial para a relação entre violência e religião. Pesquisa o campo dos Estudos para a Paz e Segurança, com foco especial para a Segurança Humana e as metodologias de estudo da Segurança Internacional. Doutor (2016) e mestre (2013) em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Compõe o comitê gestor da da Rede de Pesquisa em Paz, Conflitos e Estudos Críticos de Segurança (PCECS). Coordena o Grupo de Estudos em Política, Relações Internacionais e Religião (GEPRIR – UEPB)

Este texto não deve ser reproduzido sem permissão.

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