Debates

Religião e Relações Internacionais: Revisão de uma concepção esgotada de progresso e pesquisa

Novo_Normal

Prezadas amigas e amigos do CEPRIR

Nestes tempos de pandemia e retiro forçado em nossas casas, há quem fale em retorno à normalidade e quem fale que não podemos voltar à antiga normalidade porque ela é o problema. Assim se fala numa nova normalidade ou numa outra normalidade. Há, porém, quem tenha transformado o vírus em bode expiatório como se ele fosse o responsável pela mudança em nossas vidas. Há quem considere o vírus como nosso inimigo de guerra, mas será mesmo assim? O vírus é causa de nossos males ou consequência de um modo coletivo de vida, global e local que está quebrando equilíbrios vitais e colocando a vida em risco no planeta?

Penso que é hora de revermos nosso modo de ver a vida e de revermos também a função da universidade e grupos de estudos. O papel dos grupos de estudos e universidades não é o de viver olhando para si mesmos, para suas teorias analíticas pois o papel dos óculos não é o de se olhar, mas o de olhar para os comportamentos coletivos. Dessa forma, enquanto milhões estão morrendo, sobretudo milhões de pobres, me soa quase como blasfemo continuar tentando harmonizar teorias clássicas da antiga normalidade com nossos objetos de estudos como se nada estivesse acontecendo; continuar reproduzindo a antiga normalidade em vez de romper radicalmente com ela, rompendo também, de alguma forma, mesmo se gradualmente, também com a antiga normalidade epistemológica da universidade fundada na lógica do progresso como incremento constante de poderio econômico e militar. No realismo não está somente uma teoria analítica, mas, também, uma ideologia que legitima a disputa a qualquer custo que, concebendo o Planeta como se fosse um supermercado de commodities infinitas, acaba colocando em risco a vida de todos os seres.

Talvez seja o momento de pensarmos numa mudança de visão também sobre a hegemonia dos seres humanos em relação utilitarista de senhorio com os demais seres vivos. Talvez seja o momento de buscarmos novas teorias analíticas de Relações Internacionais que envolvam epistemologias de povos primordiais da África, América, Ásia focadas numa relação mais harmoniosa entre todos os seres vivos superando a visão atual que vê em uma montanha apenas commodities a serem disputadas. Talvez seja o momento de tentarmos superar hegemonias, sempre excludentes. Hegemonia de classes, de Estados e de seres. A hegemonia dos seres humanos é, para as demais formas de vida, uma catástrofe semelhante ao que o vírus atual representa para os seres humanos. Talvez seja o momento de tentarmos superar nossa visão antropocêntrica, indo de uma noção de humanidade para uma visão de Seridade, ou seja, que envolva todos os seres. Não podemos continuar com um conceito analítico e operativo de progresso que destrói seres vivos, também os humanos, em nome do aumento constante de riquezas que, depois, se concentram nas mãos de poucas classes e Estados.

Que o CEPRIR não seja um grupo de adaptação de epistemologias “progressistas” no estudo das relações entre Política, Religiões e Relações Internacionais, mas um grupo criativo que consiga ir além do atual desastre no qual nos encontramos que é desastre também epistemológico dado que são as visões de mundo que movem os sujeitos coletivos em suas ações predatórias, colonizadoras. Que possamos ver o atual momento não somente como momento de angústia em busca de uma nova vacina para nossos corpos, também importante, mas como momento de busca de vacinas para a nossa mente, para a nossa visão coletiva, pessoal, revendo radicalmente nossos pontos de vista epistemológicos em nossos grupos de estudos e universidades.

Saudações cordiais
Fábio Régio Bento


Fábio Régio Bento é professor associado na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), e professor do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (PPGRI UEPB). Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade S. Tommaso D’Aquino (Roma, 1996). Bacharel em Teologia; Mestre em Teologia Moral Social pela Academia Alfonsiana da Pontifícia Universidade Lateranense (Roma, 1992). Pós-doutorado junto ao Núcleo de Estudos da Religião (NER) do PPG em Antropologia Social da UFRGS com pesquisa sobre Religião e Revolução na América Central.

Este texto não deve ser reproduzido sem permissão.

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