Debates

Mahsa Amini, o Irã e o Sistema Internacional: o que esperar?

Por Débora O. Régis (UEPB)

A República Islâmica do Irã vem enfrentando uma série de protestos violentos e manifestações em diversas cidades contra o regime teocrático, desencadeados pela morte da jovem iraniana Mahsa Amini, uma curda de 22 anos que passeava por Teerã quando foi presa e levada a um centro de reeducação pela Polícia Moral Iraniana, e, após 3 dias internadas em um hospital, morta em decorrência do espancamento cometido por agentes da polícia. A justificativa para a prisão e assassinato da jovem, acontecimento sobre o qual a Polícia Moral alega não ter responsabilidades, foi o fato de Mahsa estar usando o hijab, véu islâmico, de maneira incorreta, deixando seus cabelos à mostra. O pai da jovem, em entrevista a um veículo de comunicação, informou sobre alegações falsas que a Polícia Moral havia feito a respeito do caso, como afirmações de que a ambulância demorara a chegar. O governo iraniano, por sua vez, apesar de ter bloqueado o acesso às redes sociais, declarou ser a favor da liberdade de expressão e pediu uma investigação sobre a morte de Mahsa. 

Desde a Revolução Iraniana, que mobilizou diferentes estratos sociais com o objetivo de derrubar o governo do Xá Reza Pahlavi, os clérigos tradicionalistas assumiram as estruturas de poder e a liderança do Estado, instaurando uma teocracia xiita baseada na sharia, a lei islâmica. Atualmente, porém, o regime autocrático enfrenta sérios problemas socias, como dificuldades em dialogar com setores trabalhistas, que vem realizando greves reivindicando melhores condições de liberdades individuais, e desgastes econômicos em decorrência de sanções impostas pelo Ocidente devido a ilegalidades, dentro do Direito Internacional, de seu programa nuclear.

Diante disso, o assassinato da jovem Mahsa seguido da onda de manifestações contra a violência do aparato de segurança do governo, que, durante os protestos, já prendeu cerca de 1200 cidadãos, sem direito a uma defesa legal, e matou dezenas, fomenta ainda mais esse cenário de instabilidade interna iraniano, aumentando a crise de legitimidade que o governo vem sofrendo. Apesar da oposição, o regime dos aiatolás também tem um certo apoio popular por parte daqueles que consideram a teocracia como um fator de identidade nacional, que também foram às ruas em defesa do governo. Este, entretanto, por se tratar de uma teocracia autoritária e ditatorial, não tem como prioridade, na condução da solução da onda de manifestações, o diálogo com as mulheres e a possível realização das concessões e flexibilizações que estão sendo pedidas, como a realização de um referendo popular sobre a pauta do uso do véu islâmico, por exemplo. Nesse sentido, é mais provável que o fim dos protestos ocorra por coerção e uso da força do que por reformas sociais, ainda que pequenas.

Apesar de muito recente, na esfera internacional, as consequências do acontecimento para o regime iraniano já podem ser previstas, tendo como base a análise de política de externa dos Estados envolvidos com o Irã em negociações, e o histórico de relações entre o Irã, seus vizinhos regionais, e potências globais. Dentro de sua tradicional esfera de influência, a subregião do Golfo Pérsico, a configuração relacional entre os Estados, bem como, a imagem do Irã, não seria drasticamente afetada, visto que violações de direitos humanos são cometidas também por Bahrein e Emirados Árabes Unidos dentro de suas fronteiras, inclusive contra mulheres, e o que define as relações entre as unidades componentes do Golfo Pérsico, são, predominantemente, interesses estratégios em questões de segurança, principalmente com a introdução do elemento nuclear iraniano, a pauta de segurança regional assume uma posição prioritária, de maneira que o diálogo e as negociações com o Irã permanecem ativos.

Entretanto, os acontecimentos tendem a conferir maior legitimidade aos discursos dos premiers israelenses sobre a falta de apoio popular ao governo do Irã, que adota uma postura autoritária, violenta e intolerante com seus próprios civis, o que, portanto, reforça também o argumento de que um irã nuclearizado seria uma ameaça existencial não apenas a Israel, mas à estabilidade e à paz no Oriente Médio. Israel, portanto, contando com o avanço da relação cooperativa com as monarquias do Golfo, firmada através dos Acordos de Abraão, deve utilizar-se do exemplo do assassinato da jovem iraniana para mobilizar a comunidade internacional a adotar medidas mais efetivas para paralisar o programa nuclear iraniano.

O Primeiro Ministro Israelense, Yair Lapid, em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, mencionou os crimes cometidos pelas instituições do Estado iraniano e afirmou que Israel não mediria esforços para conter a ameaça nuclear iraniana. Em 2015, um importante acordo entre o Irã e o chamado P5+1, ( Os cinco membros do CSNU e a Alemanha como intermediária da União Europeia) afroxou as sanções impostas pelo Ocidente e possibilitou ao Irã dar continuidade ao projeto de nuclearização sob fiscalização da Agência Internacional de Energia Atômica. Mas, de acordo com variáveis domésticas, os Estados Unidos mudou sua posição em relação ao programa do Irã, e , atualmente, em diálogo com o presidente Joe Biden, os documentos para firmar um novo acordo nuclear estão paralisados. O cenário de instabilidade interna do Irã compromete ainda mais o andamento do acordo, visto que a retórica israelense de falta de comprometimento por parte do Irã com a paz e estabilidade no Oriente Médio ganha mais sentido para a Europa e para os Estados Unidos. 

Depreende-se, então, que o principal instrumento de barganha que o Irã possui com o Ocidente e principal meio de projeção de poder regional, o andamento de seu programa nuclear, fica comprometido com os últimos acontecimentos envolvendo a morte da jovem Mahsa Amini.  


Débora Raquel Oliveira Régis

Estudante de graduação em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba. Integrante do Centro de Estudos em Política, Relações Internacionais e Religião (CEPRIR – CNPq/UEPB) e fellow student da Stand With Us Brasil.


Referências 

Agência da ONU afirma que Acordo Nuclear com Irã está “muito próximo”. Brasil de fato, 2022. Disponível em : < https://www.brasildefato.com.br/2022/08/26/agencia-da-onu-afirma-que-acordo-nuclear-com-ira-esta-muito-proximo >. Acesso em: 28 de setembro de 2022.

FARHI, Farideh. Iranian Power Projection Strategy and Goals. Center for Strategic and International Studies. 21 de Abril de 2017. Disponível em: https://www.csis.org/analysis/iranian-power-projection-strategy-and-goals.

LIMA, Martonio Mont’alverne Barreto; FREITAS, Mateus Oliveira de. PROGRAMA NUCLEAR DO IRÃ E PANORAMA INTERNACIONAL. Revista Jurídica, [S.l.], v. 3, n. 44, p. 355 – 380, fev. 2017. Disponível em: <http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/1920/1268&gt;. Acesso em: 09 jun. 2022

Irã critica posição do ocidente sobre protestos em massa por morte de mulher. CNN Brasil, 2022. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/ira-critica-posicao-do-ocidente-sobre-protestos-em-massa-por-morte-de-mulher&gt;. Acesso em: 27 de setembro de 2022.

Deixe um comentário