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Crimes de Ódio e Islamofobia: Um Novo Cenário nos Estados Unidos?

Por Lauro Henrique Gomes Accioly Filho (PPGRI UEPB)

O crime de ódio é um tema que constitui diversos ângulos, não se abstém de fatores históricos, muito menos de processos sociopolíticos, sequer das entrelinhas do fator cultural. Sendo assim, trabalhos pós-coloniais como “O Orientalismo” de Edward Said, se tornam uma referência de súmula importância ao ofício de entender esta região ficcionada como “Oriente Médio” que, em tese, abrange diversas etnias, múltiplos narradores e pontos de vistas distintos do que eles se consideram culturalmente, politicamente e socialmente, não sendo-a uma integração de territórios e interpretações imperiais que narradores ocidentais teceram.

De acordo com o relatório do FBI sobre crimes de ódio cometidos nos Estados Unidos, há significativos números mostrando que, dos alvos de crimes de ódio em 2016, 54% eram judeus e 24% muçulmanos. Comparado com o ano anterior, em 2015, os dados indicam que os crimes de ódio anti-muçulmanos aumentaram quase 20%. Por categoria de crime, 32,4% intimidaram as vítimas e 23,7% cometeram agressão agravada. Outrossim, foram as identificações dos infratores, cuja maioria é representada por pessoas brancas, sinalizando um total de 46,3%.

Após o Onze de Setembro, o impacto da mídia, o que foi denominado por muitos autores como efeito CNN, ainda persistiu no imaginário social de muitos indivíduos, mantendo os muçulmanos como alvos de ódio, intimidação e discriminação. Consequentemente, os estereótipos perpetuados no processo da guerra contra o terror, sem a devida cautela na descrição do que era o atentado terrorista e quem era responsável por ele, generalizou toda uma identidade que até os dias de hoje causa agravamentos brandos à esta abstração produzida sobre o “mulçumano”.

Por Azzah Sultan


Um exemplo crível da assombração e pânico moral que permanece na sociedade estadunidense foi a propagação de informações falsas sobre o Presidente Obama, na época que concorria às eleições, com fortes circulações de notícias sobre ele não ser americano, surgindo insinuações que, devido seu sobrenome, ele era mulçumano, provocando, por seu turno, uma série de discursos de ódio. Não à toa, movimentos como Tea Party e outros ligados à extrema direita se mobilizaram densamente neste ínterim, muito em razão do ressentimento das políticas assistenciais de imigração.

Apesar destes cenários atordoantes, os dados de 2021 do FBI sobre crimes de ódio atualizaram uma mudança expressiva na estatística dos alvos, representando que 4% de judeus e 1% de mulçumanos foram vítimas de incidentes atrelados a crimes de ódio. Por sua vez, sinalizando uma mudança substancial, cujas medidas para mitigar os caminhos que reforçam estereótipos e fomentam pânico moral a fim de alcançar ensejo ao discurso de ódio devem ser mantidas.

Neste sentido, uma ênfase cabe nesta mudança estatística de crimes de ódio quando apresentado o contexto político de ataque ao Capitólio, deslocamento da Presidência de Trump ao Biden cujos discursos se diferenciam significativamente.

Na sua posse, o Presidente Biden deixou registrado que a tolerância é o alicerce primordial do regime democrático.

[…] a resposta não é se voltar para dentro, retrair-se em facções rivais, desconfiando daqueles que não se parecem com vocês e nem cultuam uma religião da maneira que vocês fazem, ou não obtêm notícias da mesma fonte que vocês. Devemos acabar com essa guerra incivil que opõe o vermelho ao azul, o rural versus — o rural versus o urbano, o conservador versus o liberal. Podemos fazer isso se abrirmos nossa alma em vez de endurecer nosso coração”


Diferentemente do que ocorria com Donald Trump, segundo trabalhos analíticos de grandes nomes da Ciência Política, como Levitsky, Ziblatt, Pippa Norris e Wendy Brown, que esteve constantemente ensejando animosidades políticas e quebrando todos acordos tecidos de discordância pacífica.

Não à toa, o mesmo ponto toma direcionamento ao que muitos grupos do nomeado “Oriente Médio” buscam traçar, que é desconstruir as narrativas e projeções sensacionalistas que mídias ocidentais criaram desta grande região estigmatizada, da qual compreende diversos grupos étnicos como árabes e mulçumanos, assim como ocorre nos Estados Unidos de diversidade étnica. Prontamente, ambos possuem tanto diversidades étnicas, como sociopolíticas, por isso, é falho limitar e restringir uma parte desse todo como um símbolo geral de toda uma região múltipla.

Todavia, cabe sublinhar que agir com cautela na descrição dos processos sociopolíticos sem enquadrá-los como imutável não significa relativizar, mas torna-o próximo de sua constituição, já que esses processos são dinâmicos e precisam ser revisitados à medida que suas variáveis se alteram. Isto quer dizer, não deve-se cair na armadilha de dizer que todo “mulçumano” é intolerante ou que um grupo específico venha a simbolizar a totalidade daquela religião na qual ele está atrelado.

Michael Morgenstern


Neste aspecto, a religião deve ser amparada como um elemento de pesquisa que não é uniforme, já que grupos religiosos dentro do próprio islã possuem pautas e objetivos distintos, por conseguinte, há disputas pela interpretação de um mesmo documento, o que revela a armadilha que é generalizar o espectro religioso do Islã, torná-lo unitário para interpelar um grande grupo diverso deve ser evitado.

Isto posto, trabalhos creditáveis precisam se atentar mais a como interpelam os sujeitos dos casos analisados e projetados para sociedade, uma vez que apontar a religião como causa de um fenômeno complexo é falho e perigoso. Deste modo, enquanto internacionalistas, reside em nosso dever, prestar cautela a como grupos sociopolíticos atuam num fenômeno observado, o que, de tal modo, nos potencializa a mitigar efeitos da islamofobia ou de qualquer outro tipo de violência que pode ser propagada pela generalização dos sujeitos.

Portanto, conforme Nathan C. Funk e Abdul Aziz Said grifam, a natureza do conflito Ocidente versus Oriente é marcada pelos legados culturais politizados, fazendo com que ambas se percebam como inassimiláveis. Ou seja, as imagens associadas pelas “alteridades”, que não obtiveram nenhum processo crível de reconsideração, repercutem numa permanência de conflito intergrupal em que a capacidade de ouvir e se comunicar com os outros é interrompida.

À vista disso, uma das opções de remodelar esta conjuntura é neutralizar percepções equivocadas que se constroem de um para o outro, o que requer medidas precisas de substituir imagens morais do “eu” e imagens imorais do “outro” por imagens mais próximas da complexidade da realidade que ambos possuem. E, também requer frear os hábitos de contrastar o próprio ideal cultural.


Por Lauro Accioly Filho (PPGRI UEPB)

Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (2021), assim como, mestrando em Relações Internacionais na mesma instituição, já esteve na frente de projetos de extensão e pesquisa que versam sobre práticas de negociações internacionais, especificamente, simulações das Nações Unidas, da mesma maneira que, integrou projetos de mesma natureza focados em cidadania e democracia a partir dos novos paradigmas de ascensão do fenômeno de amuralhamento de fronteiras. Outrossim, são seus engajamentos no setor da comunicação. Adicionalmente, pesquisa nas áreas de: Democracia, Mídia e Opinião Pública, Mudanças Climáticas, Decolonialidade e Segurança Internacional.


Recomenda-se a leitura de:

Funk, Nathan C., and Abdul Aziz Said. “Islam and the West: Narratives of conflict and conflict transformation.” International Journal of Peace Studies (2004), p. 1-28.

Hughes, Aaron. Islam and it’s History. In: Handbook of Contemporary Islam and Muslim Lives. Ronald Lukens- Bull, Mark Woodward (Eds.). Springer. 2021, p.4-18

Nobre, Fábio Rodrigo Ferreira; Accioly Filho, Lauro. Democracias avançadas em risco: estudo de caso da campanha eleitoral de Donald Trump (2016). Carta Internacional, v. 17, n. 3, 2022.

Said, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Este texto não deve ser reproduzido sem permissão.

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