Debates

O retiro de Mujica, Mandela e Frei Betto

Por Fábio Bento (Unipampa)

Entre os tantos pontos em comum entre Mujica, Mandela e Frei Betto, um deles é que os três transformaram um obstáculo terrível, que é a prisão política, em ocasião de serviço e libertação da visão-ação. Conheci pessoalmente Mujica na fronteira com o Uruguai.

Conheço Frei Betto.

Mandela não conheci, mas fui até Robben Island e conheci a prisão onde ficou durante 18 dos seus 27 anos de prisão.

Mujica ficou preso por quase 15 anos e Frei Betto por 04 anos.

Os três saíram do retiro forçado no cárcere político com um modo de ver-agir bem distante do modo de ver condicionado por rancor e ódio. Mandela tratava bem seus algozes e, uma vez fora do cárcere, jamais praticou revanchismo com quem até mesmo “urinou” no prisioneiro Mandela como forma de deboche e divertimento macabro.

Mujica fez o mesmo, nada de rancor. Serviço aos pobres, amor pela democracia, pela liberdade e ausência de ódio.

Frei Betto não pratica ódio e rancor e costuma dizer, citando Shakespeare, que “o ódio é um veneno que bebemos esperando que os outros morram”. Ele dava aulas de supletivo para os presos. Mas o que mais me tocou foi que, dado que ele afirma não acreditar muito na existência de um inferno, uma vez lhe perguntei como ficaria a situação “espiritual” de um famoso delegado que torturou muitas de suas amigas e amigos. “Fábio”, respondeu-me, “Deus é amor, é Pai também dele e, mais cedo ou mais tarde, conseguirá chegar também nele com seu amor”.

Melhor fazer retiro em centros de retiros. Entretanto, esses três amigos, estando ali, acenderam em tal sombrio lugar uma luz de liberdade, de lucidez, de serenidade, de serviço que dissipa trevas de rancor. Nesse retiro, os três encontraram em si mesmos, para aquém das sombras externas e internas, a luz interna que não é compatível com nenhuma forma de exclusão. Uma luz que não é de propriedade de uma religião, nem da religião da não-religião, mas que está em todos os seres vivos. Esses três seres maravilhosos, um africano, um uruguaio, um brasileiro, encontraram essa luz em si mesmos e nos outros no retiro no cárcere e a irradiaram para dentro e fora da prisão do rancor, da opressão.


Fábio Régio Bento é professor associado na Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade S. Tommaso D’Aquino (Roma, 1996). Bacharel em Teologia; Mestre em Teologia Moral Social pela Academia Alfonsiana da Pontifícia Universidade Lateranense (Roma, 1992). Pós-doutorado junto ao Núcleo de Estudos da Religião (NER) do PPG em Antropologia Social da UFRGS com pesquisa sobre Religião e Revolução na América Central. É um dos fundadores do CEPRIR.

Este texto não deve ser reproduzido sem permissão.

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