Por Bárbara Sales (UEPB/CEPRIR)
O equilíbrio na dinâmica do Vaticano entre a liderança religiosa e o papel político, tanto interno quanto internacional, constitui um terreno fértil para a análise dos interesses e prioridades da Igreja em diferentes contextos históricos. A forma como essa relação é percebida varia conforme o observador: para os fiéis, o Vaticano se apresenta como guia espiritual e centro de ordem religiosa; para líderes e instituições internacionais, surge como um Estado soberano, ator ativo no sistema global, com seus próprios interesses e agendas.
É natural que a estratégia para administrar essa dualidade se reflita também no momento do Conclave. Busca-se um líder que represente as visões atuais da Igreja, tanto espirituais quanto políticas, seja na continuidade da linha anterior ou na adaptação a novas circunstâncias. Assim como ocorreu em períodos de transição do papado durante a Guerra Fria, tais mudanças têm o potencial de influenciar profundamente o rumo e a narrativa histórica da instituição, como observado no fim do pontificado de Paulo VI.
Com a grande expectativa do público pela escolha do novo pontífice, após a herança conturbada deixada por Paulo VI, os cardeais expressaram, antes do início do Conclave, a necessidade de um Papa mais pastor e menos político, alguém com foco voltado às atividades espirituais e à essência da fé católica.
Entre os favoritos ao papado, a disputa se dividia entre duas linhas: a primeira buscava dar continuidade ao legado de Paulo VI, apoiando o arcebispo Giuseppe Siri, de Gênova; a segunda defendia Albino Luciani, cuja candidatura ganhou força após um gesto interpretado como presságio em 1972, quando Paulo VI retirou sua estola papal e a colocou sobre os ombros de Luciani diante do público reunido na Praça de São Marcos.

O peso simbólico desse gesto, somado ao desejo de renovação na condução da Igreja, foi decisivo no Conclave. Assim, quase por unanimidade, o nome de Albino Luciani foi anunciado como o novo líder da Igreja Católica, destacando-se rapidamente pelo contraste com seu antecessor e tornando-se o primeiro pontífice a adotar um nome duplo, João Paulo, em homenagem a seus dois predecessores.
O histórico de Luciani dentro da Igreja o aproximava da figura do bom pastor, focado nas tarefas referentes aos níveis mais baixos da instituição, voltadas realmente ao serviço com e para o povo, não à burocracia do Vaticano. Mantinha um viés conservador quanto à estrutura e aos dogmas da religião, mas demonstrava flexibilidade ao tratar de temas cotidianos.
Desde cedo, demonstrava vontade de permanecer em cargos mais tranquilos e afastados, também devido à fragilidade de sua saúde, mas teve seus desejos desconsiderados. O bispo de sua diocese o indicou para o episcopado, mesmo que, em Roma, a recomendação tenha sido negada inicialmente após considerações sobre sua família e características físicas, como estatura e voz. Depois, já no papado de João XXIII, Luciani foi consagrado bispo.
Mesmo em sua simplicidade, Luciani se mostrou presente em assuntos financeiros dentro da Igreja. Suas ações contrariavam o que era retratado pela mídia em seu período como bispo. Enquanto a imprensa o descrevia como ingênuo e despreparado para as burocracias do Vaticano, Luciani mostrava um objetivo claro: direcionar a Igreja de volta à sua origem de humildade e transparência.

Já como Papa, sua vontade de reforma era evidente e contrariava muitos dos interesses e objetivos de membros das alas mais conservadoras da Igreja. Circulavam boatos de que o Papa pretendia transferir sua moradia para um espaço mais simples e vender obras de arte e ações do Vaticano, usando o dinheiro para distribuição entre os necessitados. Apesar de sua dedicação às questões financeiras antes e durante o papado, ele próprio se dizia despreparado para a administração da Cúria Romana. Suas obrigações aumentaram e sua saúde ficava cada vez mais debilitada com o peso e o acúmulo das responsabilidades.
Dias antes de sua morte, João Paulo I foi examinado, mas não obteve diagnóstico conclusivo. Sentiu uma pontada no peito na noite anterior à sua morte, mas não considerou necessário chamar os médicos novamente, por não sentir mais nada. Na manhã seguinte, uma religiosa que havia deixado uma xícara de café na porta do apartamento do Papa decidiu entrar em seus aposentos após voltar quinze minutos depois e ainda encontrar a xícara cheia. Dentro do cômodo, o Papa já se encontrava sem vida.

A causa de sua morte foi inicialmente relatada como infarto do miocárdio, mas depois alterada para embolia pulmonar. O fornecimento limitado de informações sobre o caso e a recusa da Cúria em permitir uma autópsia deram espaço ao surgimento de teorias e suspeitas de que o Papa teria sido alvo de um delito premeditado. Nada disso foi comprovado, e as hipóteses não geraram mudanças significativas no caso. O que restou foi a incerteza sobre como João Paulo I teria consolidado sua política externa e direcionado a missão da Santa Igreja Católica. Com um papado de apenas 33 dias, entende-se que, provavelmente, “o Papa do Sorriso” teria seguido a trajetória de seu predecessor imediato na política externa, valorizando o interesse da Santa Sé no diálogo e na cooperação mútua entre as nações.
Bárbara Stéphane Soares de Sales
Graduanda de Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba. Integrante do Grupo de Pesquisa do Centro de Estudos em Política, Relações Internacionais e Religião (CEPRIR- CNPq/UEPB). Currículo Lattes.
Recomenda-se a leitura de
CARLETTI, Anna. O internacionalismo vaticano e a nova ordem mundial: a diplomacia pontifícia da Guerra Fria aos nossos dias. Brasília: FUNAG, 2012.
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