Debates

Observações sobre a relação da China com o Budismo Tibetano

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‘Self Sacrifice in Tibet’, Karma Phuntsok (2011)
Por Marta Lorena Lourenço (UEPB)

A relação da República Popular da China com o budismo tibetano, está não apenas associado ao comunismo chinês, mas à relação de poder que a nação impõe sobre o Tibete ao longo da sua trajetória. Ao propor uma retratação histórica, o território foi conquistado pelos mongóis no século XIII e ocupado pelos chineses em 1720, na época da dinastia Qing. O País só alcançou a independência com a queda da dinastia Manchu e o fim do império chinês, em 1912, então governado pelo Dalai Lama e de autonomia interna e governo próprio, mas há controvérsias. Por vezes os chineses chegaram contestar que o Tibete nunca foi separado da nação, com o argumento de que antigos territórios do império chinês devem fazer parte da China continental. 

Outrossim, durante a Revolução Chinesa, devido à interesses sob o Tibete, por fazer fronteira com a Índia e ser altamente estratégico, Mao Tse Tung interveio com o pretexto de libertar o país do imperialismo inglês, pois a região era disputada e a sua independência, como visto anteriormente, sempre foi questionada. Maxime Vivas, um escritor francês, ressalta: “um Tibete (…) independente de 1913-1950 é um atalho íngreme que nenhum historiador quer adotar, e que são negados pelos anos de presença britânica e aceitação da soberania da China pelo Dalai Lama”. De forma análoga, segundo Israel Epstein, um escritor que trabalhou para o governo comunista chinês, “Em nenhum momento, a separação do Tibete ou de parte dele [da China], foi aceito por qualquer governo chinês. Da mesma forma, nenhum governo estrangeiro tem contestado formalmente o estatuto jurídico do Tibete como parte da China, embora estavam ocupados miná-lo através da invasão militar, operações de inteligência ou ameaças diplomáticas”. 

Com efeito, quarenta mil soldados chineses entraram em Lassa, capital histórica tibetana e, após a recusa do Tibete de aceitar o governo de Pequim, o pequeno exército desse perdeu a batalha de Chamdo, então o 14° Dalai Lama foi exilado para a Índia e foi assinado um acordo com dezessete pontos – dentre eles a questão das relações internacionais voltadas ao comércio, pois só admite relações comerciais com quem considerar o Tibete como pertencente a Pequim – o qual os chineses dizem ter sido por acordo de ambos, já os tibetanos pró-independência afirmam que foi forçado. Em suma, o Estado ficou sob controle total da 

China, porém hodiernamente é reconhecida como região autônoma. Desde então, existem várias acusações contra a restrição de crença, dentre outras, assim como o “Movimento de Independência do Tibete” liderado pelos tibetanos no exílio em países como a Índia e os Estados Unidos, e por celebridades e budistas tibetanos nos Estados Unidos, Índia e Europa. 

É válido enfatizar que além do fator religioso e cultura, há uma falta de identidade também nas etnias e na língua habitual. Todavia, a China continua a descartar a possibilidade de lhe conceder autonomia completa. 

“Na década de 1950, existia um certo equilíbrio entre as posições de ambos os lados. A China via a Linha McMahon como um símbolo dos planos britânicos de  afrouxar o controle chinês sobre o Tibete ou talvez dominá-lo. O primeiro-ministro indiano,  Jawaharlal Nehru, alegava um interesse cultural e sentimental no Tibete baseado nos laços históricos entre a cultura budista clássica da Índia e o budismo tibetano. Mas estava preparado para reconhecer a soberania chinesa no Tibete contanto que uma autonomia substancial fosse mantida. Em busca dessa política, Nehru recusou-se a apoiar petições para levar o status político do Tibete à mesa de negociações  das Nações Unidas. Mas, quando o dalai-lama fugiu, em 1959, e obteve a concessão de asilo na Índia, a China começou a tratar a questão da  demarcação de linhas cada vez mais em termos estratégicos.”

(Sobre a China, Henry Kissinger) 

Sob tal ótica, a China anunciou, na data de 23 de Outubro de 2017, que iria considerar como uma grave transgressão se algum país ou líder estrangeiro receber ou se reunir com Dalai Lama, pois o líder é reconhecido como separatista e interpretam a reverência ao mesmo como uma ameaça ao governo do PCC e o país teme o budismo tibetano. Ele é encarado como resistência, além de obter um atual crescimento em Pequim. Segundo o ranking de liberdade pelo Freedom House, a liberdade de religião é severamente restringida no Tibete, reiterando muitas restrições existentes, reforçando o controle sobre locais de culto, viagens para fins religiosos e educação religiosa de crianças. Os departamentos de assuntos religiosos controlam quem pode estudar em mosteiros e conventos. Monges e monjas são obrigados a assinar uma declaração rejeitando a independência tibetana, expressando lealdade ao governo e denunciando o Dalai Lama.

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Vajriputra Arhat. Séc. XVII

Desde 2012, o PCC criou comitês de funcionários do governo dentro de mosteiros para gerenciar suas operações diárias e aplicar campanhas de doutrinação partidária. Postos policiais são cada vez mais comuns, mesmo em mosteiros menores. Acima do que foi supracitado, a exemplo, o empresário Tashi Wangchuk foi condenado a cinco anos de prisão em maio sob a acusação de incitar o separatismo; ele deu uma entrevista ao New York Times em 2015 sobre seus esforços para usar o sistema jurídico chinês para contestar a falta de educação na língua tibetana. O caso ilustra as pesadas multas impostas aos tibetanos que buscam preservar sua cultura. Outro exemplo, como também é restringido todos os meios de comunicação do Tibete, o filme “Doutor Estranho”, o qual o papel do ancião, mestre das artes místicas no filme, foi interpretado por Tilda Swinton, como uma anciã celta, que originalmente, nas hq’s, havia nascido em Kamar-Taj, ou seja, foi modificada a origem tibetana da personagem, para não desagradar o governo chinês.

Com isso, existe uma cota anual de quantos filmes estrangeiros podem ser exibidos na China, aprovados pela administração de imprensa e que precisam ser apropriados aos habitantes, sem nenhuma crítica governamental ou visões negativas, em outras palavras, censura. O estúdio Marvel FIlmes justifica a modificação como forma de não apresentar a personagem de forma estereotipada, como mais uma oriental sábia, como também para não se posicionar politicamente, no entanto, evitar o assunto do tibete já uma postura política. 

Ao decorrer dos anos pós Guerra Fria, portanto, vários tibetanos passaram a buscar exílio, cerca de 120 mil tibetanos vivem em países estrangeiros, e a grande maioria encontra-se em território indiano. O chamado “governo no exílio” conta com três poderes e tem sua sede fixada na cidade de Dharamshala, região norte da Índia. A situação do Tibete abarca um confronto de perspectivas contrárias entre autoridades tibetanas e chinesas. Por um lado as autoridades chinesas reivindicam sua intervenção pelo progresso e benefícios materiais concedidos ao Tibete. Em contrapartida, os líderes tibetanos temem que a inflexibilidade política chinesa ameace as tradições religiosas e a liberdade do povo tibetano. 

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Reprodução: Ruven Afanador para TIME

Atualmente, O governo chinês afirmou sua intenção de selecionar o sucessor do atual Lama, que completou 83 anos em julho de 2018, e promoveu seu próprio nomeado para servir como Panchen Lama, uma figura religiosa que desempenha um papel importante na identificação da reencarnação de um Dalai Lama de acordo com os tradicionais rituais budistas tibetanos.


Por Marta Lorena Lourenço (UEPB)

Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba. Integrante do Grupo de Estudos em Política, Relações Internacionais e Religião (GEPRIR – UEPB).

REFERÊNCIAS 

ADITAL. A China adverte os líderes mundiais: Reunir-se com o Dalai Lama é cometer uma grave transgressão. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/572909-a-china-adverte-os-lideres-mundiais-reunir-se-com-o-dalai-lama-e-cometer-uma-grave-transgressao. Acesso em: 26 out. 2019. 

FREEDOM HOUSE. Freedom in the Wolrd 2019. Disponível em: https://freedomhouse.org/report/freedom-world/2019/tibet. Acesso em: 29 nov. 2019. 

FREEDOM HOUSE. Tibetan Buddhism. Disponível em: https://freedomhouse.org/report/china-religious-freedom/tibetan-buddhism. Acesso em: 29 nov. 2019. 

G1 GLOBO. Dalai Lama completa 80 anos com luta por Tibete estagnada. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/06/dalai-lama-completa-80-anos-com-luta-por-tibete -estagnada.html. Acesso em: 30 nov. 2019. 

OPERA MUNDI. Hoje na História: 1959 – Eclode rebelião tibetana contra ocupação chinesa. Disponível em: https://operamundi.uol.com.br/historia/27712/hoje-na-historia-1959-eclode-rebeliao-tibetana-contra-ocupacao-chinesa. Acesso em: 29 nov. 2019. 

REUTERS. FACTBOX: Why is remote Tibet of strategic significance?. Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-tibet-strategic-idUSSP2305020080325. Acesso em: 27 nov. 2019. 

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