Debates

Política externa, Bolsonaro e quando o Bispo quase foi embaixador

Por Maria Eduarda Lima Silva (UEPB)

A política externa nem sempre é um tema que senta à mesa de debates em anos eleitorais no Brasil. Dentre as vezes em que isso aconteceu, cabe mencionar 2006, quando o debate acerca da Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA) se tornou um tema relevante, ainda que insuficiente para eleger ou não alguém, e 2014, onde as relações com a China e o Mercosul foram mencionados nas principais discussões televisionadas entre os presidenciáveis.

Religião, por sua vez, é central até mesmo quando não é citada diretamente, a ver pautas como aborto, educação, saúde e segurança são abordadas – e, por vezes, não abordadas – em virtude desse apelo pelos candidatos que, visando o voto do eleitorado evangélico brasileiro, assume uma posição mais conservadora em anos eleitorais.

Dessa maneira, ambos os debates sempre ocuparam espaços diferentes na política brasileira; enquanto o primeiro sempre foi insular, o segundo nunca deixou de estar na ponta da agulha. Contudo, isso muda após as eleições de 2018, quando esses temas se encontram de maneira inusitada.

Diplomacia da Ruptura

Spektor (2019) caracterizou a política externa bolsonarista como “diplomacia da ruptura”, uma vez que, desde sua campanha, Jair Bolsonaro sinalizava a pretensão de romper com o andamento dos planos de política externa de seus antecessores.

As razões da ruptura seriam chanceladas, por sua vez, pelas alas que influenciaram a gestão bolsonarista pelos quase 4 anos, entre elas o que alguns jornalistas convencionaram chamar de “ala ideológica” e que outros apelidaram de “ala dos olavistas”, em referência à proximidade de seus membros com as ideias do autoproclamado filósofo e ex-guru de Bolsonaro, Olavo de Carvalho. 

Seus membros mais notáveis seriam o deputado federal e filho 03 do Presidente, Eduardo Bolsonaro (PL); o chefe da assessoria internacional do Presidente, Filipe Martins; e o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Para eles, a maior ameaça aos interesses brasileiros no mundo – que estão alinhados aos estadunidenses, é claro – partiria de uma ascensão de potências “socialistas”, como China e Rússia, e do “marxismo cultural” que, em detrimento da baixa resposta das lideranças ocidentais, subjugaria as “maiorias” às vontades das “minorias” através da tolerância e aceitação à pautas como a ideologia de gênero, o comunismo e o ateísmo, teoria popularizada no Brasil por Olavo de Carvalho, grande referência para o trio (SPEKTOR, 2019). No cenário doméstico, Bolsonaro e sua ala ideologicamente olavista acreditam que, sob jurisdição de gestões petistas e tucanistas, o Brasil ficou à mercê dessa onda e que, em seu governo, era sua função libertá-lo. Vê-se, portanto, que a disputa não é tão somente política, mas por uma hegemonia cultural à la Gramsci. 

Essa ideia fica ainda mais clara ao analisarmos o texto do pupilo de Olavo de Carvalho, Ernesto de Araújo, intitulado de “Trump e o Ocidente” (2017), onde o autor sugere o resgate de valores como a família, Deus e “clamor espiritual” – considerados, por ele, perdidos e relegados ao ostracismo dentro do “liberalismo pós-moderno” – como forma de salvar o Ocidente. Ainda que para ele Trump fosse o único capaz de resgatar esses ideais a nível mundial – o texto é datado de antes do ex-presidente republicano perder as eleições presidenciais para Biden em 2020 -, o ex-ministro parecia acreditar que Bolsonaro poderia fazer o mesmo pelo Brasil. Para isso, o presidente contaria com a ajuda de uma aliada: a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).

Bolsonaro e a Universal

Quem vê a Universal pulando do barco aos 45 minutos do segundo tempo da campanha de Bolsonaro pode encontrar-se completamente alheio à relação estreita que os líderes da IURD mantiveram com o presidente apenas alguns meses atrás.

O caso mais emblemático aconteceu quando em 6 de julho de 2021, jornais brasileiros veicularam a indicação do Bispo Marcelo Crivella, ex-prefeito do Rio de Janeiro e sobrinho do Bispo Edir Macedo, da Igreja Universal, ao cargo de embaixador da África do Sul.

A indicação, mantida em sigilo até então, aguardou aprovação do governo local por 6 meses, mas foi retirada em 29 de novembro após não receber respostas, sinal indicativo de rejeição na diplomacia. 

O contexto é ainda mais amplo; o ghosting diplomático teria relação com a expulsão da IURD de Angola por acusações de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, organização criminosa, racismo e esterilização forçada contra as autoridades da igreja no país, e a postura do presidente brasileiro seria uma compensação pela ausência da ajuda no período da crise.

Apesar de o Bispo não ter, de fato, se tornado embaixador, a indicação é sintomática do poder dos neopentecostais e do quanto Bolsonaro estaria disposto a arriscar para tê-los ao seu lado.


Maria Eduarda Lima Silva

Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba. Integrante do grupo do Centro de Estudos em Política, Relações Internacionais e Religião (CEPRIR – CNPq/UEPB). Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica (PIBIC – UEPB), cota 2021-2022, com o projeto A Ascensão do Neopentecostalismo com Ator Relevante da Política Brasileira.


Recomenda-se a leitura de:

Araújo, Ernesto Henrique Fraga. Trump e o Ocidente. Segundas Filosóficas. Disponível em: https://segundasfilosoficas.org/trump-e-o-ocidente/.

Mariano, Ricardo (2014). Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. 5. ed. São Paulo: Edições Loyola.

Portal R7. Igreja Universal fez muito pelos brasileiros, diz Ernesto Araújo. Disponível em: https://noticias.r7.com/politica/igreja-universal-fez-muito-pelos-brasileiros-diz-ernesto-araujo-13122019

Spektor, Matias (2019). A Diplomacia da Ruptura. Democracia em risco? 22 ensaios sobre o Brasil hoje. 1ed.: Cia das Letras, v. , p. 324-338.

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