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O Vaticano e o Holocausto: implicações políticas do silêncio de Pio XII

Por Vivian Oliveira (UEPB/CEPRIR)

Recentemente um documento foi exposto nos noticiários que revelou que Eugenio Paccelli, Papa Pio XII (1939 – 1958), estava ciente da existência de campos nazistas e o funcionamento real deles. Contrapondo os ditos anteriormente que afirmavam a desinformação da Santa Sé na época, descredibilizando a atuação de Pio XII durante a Segunda Guerra Mundial e sua neutralidade – com o silêncio – diante das milhares de mortes que ocorreram, principalmente contra à população judaica. 

Quem foi Eugênio Paccelli?

Eugenio María Giuseppe Giovanni Pacelli (1876-1958) foi um italiano, nascido em Roma, que pertencia à nobreza da Itália. Sua história com a Igreja Católica iniciou em 1899, com seu ordenamento sacerdotal; em pouco tempo, tornou-se cardeal e camareiro papal, sendo considerado de confiança pelo Papa Leão XII e posteriormente escolhido para representar o Vaticano em diversas situações diplomáticas. Com sua proximidade aos papas e seu desempenho diplomático, a ascensão dentro da Igreja foi rápida, não demorou muito para que o então cardeal Pacelli atuasse devidamente como núncio apostólico, similar a um embaixador, em Baviera e em Berlim, sendo responsável pela ligação entre a Alemanha e o Vaticano até o ano que foi eleito pontífice – 1939. 

Para os demais cardeais, colocar Eugenio Pacelli como Papa seria ideal diante o cenário nazista da época, pois confrontado com perigos crescentes na Europa na década de 1930, era necessário que houvesse um bom especialista em relações internacionais, isto é, um diplomata que fosse firme nos posicionamentos contrários ao nazismo e ajudasse a apaziguar as situações decorrentes da época.

O Papado durante a II Guerra Mundial

Durante a Segunda Guerra Mundial, não há registros de discursos do Papa sobre os ocorridos na Alemanha de Hitler, nem qualquer aprovação ou desaprovação dos posicionamentos nazistas.

Contudo, em 1942, na véspera de Natal, Pio XII diz na Rádio do Vaticano:

“Este voto (a favor de um mundo mais justo) a humanidade deve às centenas de milhares de pessoas que, sem culpa própria, às vezes apenas por razões de nacionalidade ou raça, se encontram destinadas à morte ou a uma aniquilação progressiva”.

Sendo o maior posicionamento encontrado, até então, de Pacelli, sem nenhuma especificação sobre quem estava se referindo ou a quê, deixando vago e demonstrando ainda sim uma neutralidade em suas falas. 

A carta recém encontrada, trocada entre o secretário de Pio XII e um padre jesuíta alemão, resulta em que provavelmente este discurso do Papa, deveria remeter ao seu conhecimento sobre os campos de concentração (Belzec, Auschwitz e Dachau) e sobre as demais atrocidades cometidas por Hitler em seu governo nazista. 

Quais são as implicações da descoberta?

Contrariando os seus sucessores João XXIII (1958-1963), Paulo VI (1963-1978) e João Paulo II (1978-2005) que foram canonizados. O Pio XII segue com seu processo de beatificação parado, devido às consequências da neutralidade assumida durante a Segunda Guerra Mundial. 

Além da contrariedade que expõe a Igreja Católica, haja vista a necessidade de um posicionamento pela importância da instituição não só para a população da Itália, mas também para toda a humanidade pelo poder de denunciar as atrocidades cometidas contra um povo. 

Por que esse assunto voltou à tona agora?

O Papa Francisco quer fazer do seu pontificado um modelo de transparência, baseado em não deixar a Igreja com “medo” da história. De acordo com François Mabille, professor da Universidade Católica de Lille, para a TV5 Monde:

De certa forma, ele tem uma relação desapaixonada com essa história. O papa queria remover qualquer acusação de obstrução à busca da verdade histórica. O Vaticano, para o Papa Francisco, não tem nada a esconder.”

Por isso, em 2019, o Papa Francisco decidiu que era necessário a abertura dos arquivos secretos sobre o pontificado de Papa Pio XII durante a Segunda Guerra Mundial.  Somente em 2020 houve realmente a abertura dos documentos, no dia 2 de março. 

Diversos historiadores e pesquisadores estavam solicitando esses esclarecimentos sobre o posicionamento da Igreja, visto que Pio XII não se manifestou durante o extermínio de judeus na guerra, o que é lidado como um silêncio não aceito pelas organizações judaicas e considerado uma cumplicidade passiva de Pacelli. 

Os dois lados da moeda

O autor do livro de Pio XII, Dom Vicente Cárcel Ortí falou à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, que o pontífice preferiu não confrontar, em público,  os nazistas para: não desencadear a raiva de Hitler e assim evitar que houvesse uma intensificação na perseguição contra judeus e católicos; como também o lançamento ao mesmo tempo uma discreta operação humanitária – já que ele ordenou a abertura de igrejas, escolas e outras organizações para esconder judeus, além de provavelmente ter salvo, de acordo com alguns autores, 900 mil pessoas.

Todavia, os diários e cartas mais privativas de Pio XII foram queimadas, pelo costume católico.  O pesquisador britânico John Cornwell  garante que há poucas evidências para sustentá-la, sendo que não há comprovações que Pio XII realmente arquitetou ou salvou tantos quanto falam. O historiador ainda acrescenta que:

Ele negociou (quando era cardeal, em 1933) diretamente o Reichskonkordat, um tratado com a emergente Alemanha nazista através da qual a Igreja Católica conseguiu continuar a desenvolver as suas atividades na Alemanha, especialmente mantendo as suas escolas abertas, mas em troca prometeu não interferir nos assuntos políticos.

Análise da Conjuntura

Ao observar as informações predispostas, não fica notável quais eram as reais intenções do Papa Pio XII, mas garante-se uma proximidade diplomática, no mínimo, com a Alemanha. Além disso, Eugenio Pacelli por ser um comunista de carteirinha, fica óbvio que o maior inimigo da Igreja era esse, até em suas falas a posteriori. Declarando que: quando há necessidade de se posicionar para algo que a Igreja Católica, na figura de Pio XII, considera um perigo ou um inimigo, não existe uma neutralidade.

Sendo assim, provavél que essa imagem prejudique ainda mais para a Igreja Católica e sua participação dentro das relações internacionais – com a redução da credibilidade internacional, já que a passiva participação  de Pacelli e um certo silêncio diante das crueldades cometidas pela Alemanha Nazista, tendo como justificativa a preservação da diplomacia milenar da Santa Sé, custou muito alto para a Igreja, como foi o caso da morte milhões de pessoas, incluindo católicos de origem judia. Dessa forma, há certa controvérsia sobre a participação do Papa Pio XII e da Igreja Católica na II Guerra Mundial – seja aquela participação mais direta ou a indireta a depender do momento. 

O que pode ser perigoso para a história da Igreja Católica que já vem marcada de diversas atrocidades milenares e podem afastar a credibilidade com outras comunidades religiosas, como também afetar as relações com outros países de maneira diplomática pela provável perda de uma credibilidade em cenário internacional. 


Por Vivian Regia Veras Oliveira (UEPB/CEPRIR)

Acadêmica de Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba, e está cursando o oitavo período. É integrante do Centro de Estudos em Política, Relações Internacionais e Religião. No momento, está realizando pesquisa sobre Religião e Relações Internacionais. Pertence como integrante voluntária do projeto de extensão – OIKOS, interligado ao CEPRIR. Mas também, pesquisando sobre União Europeia. Na UEPB, durante os anos de 2020 até 2022, atuou dentro da Empresa Júnior – Eleven Jr., em 2021 como Diretora de Gestão de Pessoas e em 2022 como Presidente Executiva.


Recomenda-se a leitura de:

Al Sacro Collegio alla Vigilia del Santo Natale (24 dicembre 1942) | PIO XII. https://www.vatican.va/content/pius-xii/it/speeches/1942/documents/hf_p-xii_spe_19421224_vigilia-natale.html. Acessado 4 de outubro de 2023.

CARLETTI, Anna. O internacionalismo vaticano e a nova ordem mundial: a diplomacia pontifícia da Guerra Fria aos nossos dias. Brasília: FUNAG, 2012. 228 p.

COPPA, Frank J. The life and pontificate of Pope Pius XII: between history and controversy. Washington: The Catholic University of America Press, 2013. 336 pp.

“Papa anuncia abertura de arquivos secretos do Vaticano sobre 2a Guerra”. VEJA, https://veja.abril.com.br/mundo/papa-anuncia-abertura-de-arquivos-secretos-do-vaticano-sobre-2a-guerra/. Acessado 4 de outubro de 2023.

Le Vatican ouvre ses archives sur Pie XII, pape durant la Seconde Guerre mondiale | TV5MONDE – Informations. 2 de março de 2020, https://information.tv5monde.com/international/le-vatican-ouvre-ses-archives-sur-pie-xii-pape-durant-la-seconde-guerre-mondiale.

“‘Papa de Hitler’ ou ‘salvador dos judeus’?: quem foi Pio 12 e por que seu papel na 2a Guerra segue polêmico”. BBC News Brasil, 25 de setembro de 2023, https://www.bbc.com/portuguese/articles/c51qy47kgw9o.

Este texto não deve ser reproduzido sem permissão.

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