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Francisco, o papa que confrontou a indiferença

Por Vivian Oliveira (UFMG/CEPRIR)

No último 21 de abril, a Igreja Católica perdeu seu líder, Jorge Mario Bergoglio, conhecido como Francisco, nascido na Argentina e o primeiro Papa latino-americano e jesuíta. Seu pontificado de 12 anos foi marcado por uma trajetória humilde e de busca pela paz, admirado não só por católicos, mas por diversos líderes tanto religiosos quanto políticos. A partir de agora, a Igreja Católica se prepara para a realização do Conclave e uma nova era após um de seus líderes mais aclamados e respeitados. 

Sua última aparição foi no Domingo de Páscoa, em 20 de abril de 2025, na Praça de São Pedro, no Vaticano. Apesar do diagnóstico de pneumonia bilateral, optou por participar da celebração e abençoar os fiéis católicos com  a bênção Urbi et Orbi

Mas além disso, clamou por paz mundial ao pedir um cessar-fogo em Gaza, condenar a violência em regiões como Ucrânia, Armênia e partes da África, e denunciou o crescimento do antissemitismo. Suas palavras foram voltadas à liberdade religiosa e de expressão e críticas aos líderes que buscavam conflitos armados invés da paz, posicionamentos característicos da sua trajetória papal.

Um pontificado fora da curva

Desde o início de seu Papado, Francisco marca a história por seus posicionamentos não tão comuns e considerados “chocantes” para a Igreja. Ainda mais por seu antecessor, Papa Bento XVI, ser considerado um conservador que buscava fomentar a tradicionalidade e o rigor dentro da comunidade eclesiástica. 

No primeiro dia, ao aparecer na sacada em frente a praça de São Pedro, quando anunciado papa, Bergoglio vestia apenas o branco em todas as suas vestes, sua cruz era de aço (a mesma que foi usada quando se tornou bispo na Argentina) e sem os tradicionais sapatos vermelhos. Optou pela humildade e simplicidade, similar ao santo que escolheu para ter o mesmo nome: Francisco. 

Renunciou não apenas aos luxos, como não morar no tradicional Palácio Apostólico do Vaticano, mas também abandonou o latim dentro da litúrgia católica. Em 2014, abandonou o latim pelo italiano, ao coloca-lô como língua oficial do Sínodo no Vaticano, e defendeu a linguagem acessível como cotidiana para facilitar a comunicação e permitir debates mais eficientes dentro da Igreja. Rompendo com a tradicionalidade que alcançava apenas a alguns nos documentos eclesiásticos.

O Pontífice salientava e cutucava os demais membros do Clero sobre a importância de se valorizar o ministério sacerdotal por meio de se colocar a serviço da comunidade, independentemente de sua posição,  de forma mais discreta, e buscando focar nas pessoas em vez das coisas. Em uma das suas falas, lembrava o dever do sacerdote em ser exemplo de humildade e pobreza, renunciando aos luxos, em nome dos interesses dos mais pobres e da fraternidade.

Sua posição desafiava aos líderes conservadores, por ter sido marcada de duras críticas às políticas migratórias restritivas e à xenofobia institucionalizada.  Como também, a constante denúncia era sobre  à “ditadura do mercado” e ao “neoliberalismo selvagem”, visto que para Francisco, a economia que mata não é apenas injusta, mas profundamente anticristã.

A diplomacia pela paz na trajetória papal

Francisco marcou a história da política global com suas falas e atitudes da luta pela paz. Suas críticas as guerras, tentativas de união e orações por minorias foram pautas rechaçadas pela extrema direita. Mas, marcaram uma proximidade da Igreja Católica com a contemporaneidade e com os dilemas que percorrem a atualidade. 

Uma de suas pautas mais presentes era as mudanças climáticas e o cuidado com a casa comum, sendo a temática periódica em suas encíclicas, com destaque para a Laudato Si’ (2015) que questionava sobre as interferências humanas no meio ambiente e alertava sobre a ecologia integrada. No documento, relatava sobre a importância da associação entre a destruição ambiental e o agravamento da desigualdade social, que para ele, não poderiam se separar, pois são os mais pobres que sofrem com as mudanças advindas da degradação ambiental. 

Outro destaque era o compromisso do Papa Francisco em argumentar sobre a falha humana dentro dos conflitos, ao condenar a indústria armamentista global e clamar por acordos de paz que fossem imediatos. Por diversas vezes, Francisco aparecia na sacada para pedir orações em nome da paz pelos diversos conflitos que estavam acontecendo, chamando de “terceira guerra mundial em pedaços”, e buscava criticar a lógica bélica das guerras. 

Na pandemia do COVID-19, o Sumo Pontífice lançou a encíclica Fratelli Tutti (2020) que primava pela solidariedade, pela paz e a luta pelo bem comum global. Considerada como uma resposta direta à crise do multilateralismo e à ascensão de populismos nacionalistas, com um discurso voltado para a promoção de políticas de cuidado e discordância com as políticas de ódio presentes nas tendências autoritárias em escala global.

Seu discurso não ficou apenas na escrita, Francisco adotou uma diplomacia de princípios, marcada pela busca do diálogo inter-religioso e uma postura firme diante do avanço do autoritarismo. Em 2019, o Papa assinou com o Grão-Imã de Al-Azhar, Ahmed al-Tayeb, o documento que buscava a convivência pacífica entre mulçumanos e cristãos. Em 2021, realizou um encontro histórico com  Aiatolá Ali al-Sistani no Iraque, como uma reafirmação ao dialogo entre religiões. 

Em diversos momentos,  Francisco também priorizou a reaproximação com a Igreja Ortodoxa — especialmente com o Patriarca Bartolomeu I, de Constantinopla, e com o Patriarca Cirilo de Moscou, reforçando o discurso de cooperação entre as Igrejas e compromisso mútuo com o diálogo ecumênico.

Uma nova Igreja de um Papa Reformista 

O pontificado de Francisco foi marcado desde o início por uma agenda de reformas profundas, que buscavam equilibrar a preservação da tradição com a urgência de atualização institucional. Desde sua eleição, o Papa demonstrou disposição em enfrentar tanto desafios internos quanto pressões externas, adotando uma postura pastoral que dialoga com os dilemas contemporâneos da Igreja.

Um dos marcos desse processo foi a promulgação da Constituição Apostólica Praedicate Evangelium, em 19 de março de 2022, considerada uma das reformas mais relevantes da estrutura eclesiástica nas últimas décadas. O documento reorganiza a Cúria Romana com foco na evangelização e na descentralização do poder, permitindo que leigos e leigas ocupem cargos de governo anteriormente reservados ao clero. Essa abertura se ancora no princípio de que “todo cristão, em virtude do Batismo, é um discípulo-missionário”, reforçando o caráter inclusivo e missionário da Igreja que Francisco buscou cultivar.

Como também incentivou a participação feminina em cargos de liderança no Vaticano, apesar das limitações. Durante o seu papado, o número de mulheres em cargos de liderança subiu para 23,4%, de acordo com Vatican News. Para exemplo, a irmã Simona Brambilla foi nomeada líder do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, marcando a primeira vez que uma mulher lidera um dicastério vaticano. Apesar disso, Francisco reafirmou a proibição da ordenação de mulheres, conforme estabelecido por seus predecessores, contudo encorajou o debate sobre outras formas de aumentar a participação feminina na Igreja.​

Essa postura também se refletiu em sua relação com questões sensíveis dentro da Igreja. Ainda no início de seu pontificado, em uma das primeiras entrevistas como Sumo Pontífice, Francisco respondeu à pergunta sobre a presença de pessoas homossexuais no clero com a frase que se tornaria símbolo de sua abordagem pastoral: “Quem sou eu para julgar?”. A declaração representou um afastamento do tom condenatório tradicional, sendo celebrada por movimentos e grupos LGBTQIA+ que viram nela uma abertura simbólica — ainda que os avanços institucionais permanecessem limitados.

Paralelamente, enfrentou de frente um dos maiores escândalos da Igreja moderna: os abusos sexuais, como casos de pedofilia, cometidos por membros do clero. Em 2019, o Papa promulgou o motu proprio Vos Estis Lux Mundi, que obrigava a denúncia de abusos por parte de religiosos e estendia essa responsabilidade a líderes leigos. Em 2023, as normas foram ampliadas para incluir adultos vulneráveis e fortalecer os mecanismos de responsabilização, buscando restaurar a credibilidade institucional diante de uma crise moral prolongada.

O Vazio Pós-Francisco: O que Vem Agora?

O papado não pode ser compreendido apenas como uma função religiosa, Francisco ressuscitou mais vividamente, como João Paulo II o papel diplomático e político presente na função de Sumo Pontífice. É indubitável que o papel do Papa transcende os muros do Vaticano, por conseguir transitar entre o político e o religioso, permite orientações para demais líderes políticos globais e fornecer uma voz para minorias não escutadas costumeiramente. 

A figura do Papa é uma das poucas que ainda pode articular ética e autoridade em escala global. Nos tempos que as crises atingem um patamar nos setores internacionais, um bom líder de uma instituição milenar permitiu ecoar uma voz poderosa e acolhedora nesse cenário. Sua famosa frase “o tempo é superior ao espaço”, fala sobre uma mudança gradual e voltada para a escuta e o caminhar juntos.

A instabilidade diante o futuro Conclave tem sido uma das grandes questões após a morte de Francisco, sem saber se o futuro líder religioso será similarmente progressista ou  um tradicionalista conservador. A incerteza do novo líder supremo da Igreja Católica sob a sombra do legado de Bergoglio, gera uma expectativa sobre o futuro e as novas rédeas que serão tomadas dentro da instituição. 

Caso siga o legado, mais do que uma questão institucional, o futuro Papa carregará uma missão espiritual deixada por Francisco: manter viva a centralidade dos pobres, da paz, da ecologia e do diálogo inter-religioso em um mundo cada vez mais hostil. Bergoglio reestruturou a representação do Papa, tornando-se mais humano, pastoral e próximo da atualidade.


Por Vivian Regia Veras Oliveira (UFMG/CEPRIR)

Mestranda em Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais. Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba. Membro do Centro de Estudos em Comportamento Político (CECOMP), do Centro de Estudos em Política, Relações Internacionais e Religião (CEPRIR) e Centro Interinstitucional de Análise de Políticas Sociais – CIAPSoc. Pertence como integrante voluntária do projeto de extensão – OIKOS, interligado ao CEPRIR. Mas também, pesquisando sobre União Europeia, participante do Grupo de Estudos e Pesquisa em União Europeia e Regionalismo – GEPUER. Na UEPB, durante os anos de 2020 até 2022, atuou dentro da Empresa Júnior – Eleven Jr., em 2021 como Diretora de Gestão de Pessoas e em 2022 como Presidente Executiva. Se interessa em integração regional, partidos políticos, atitudes políticas, eleições, religião.

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