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João Paulo II: O Papa por sobre os muros

Por Bárbara Sales (UEPB/CEPRIR)

Após um papado tão breve, com um final de tantas incertezas, como o de João Paulo I, não era só a população católica que estava com a atenção voltada para o anúncio do novo Papa. Para surpresa do público, após 445 anos com líderes de origem italiana, o nome escolhido para representante do Vaticano era estrangeiro. Vindo da Polônia, Karol Wojtyła, cardeal de Cracóvia, adotou o nome João Paulo II para seu papado.

(OSV News photo/Giancarlo Giuliani, CPP)

Já eleito, João Paulo II fugiu do esperado desde seu primeiro discurso, não seguindo o protocolo e fazendo um convite claro aos ouvintes: “Não tenhais medo! Antes, procurai abrir, ou melhor, escancarar as portas a Cristo! Ao Seu poder salvador abri os confins dos Estados, os sistemas econômicos, assim como os políticos, os vastos campos da cultura, civilização e progresso!”. Em sua volta à Polônia, manteve o mesmo discurso.

O governo polonês, preocupado com a popularidade e as conexões de João Paulo II desde suas viagens após o Concílio Vaticano II, tentou limitar o alcance do Papa, especialmente por meio do controle da mídia, que recebeu permissão para transmitir a visita, mas sem mostrar as multidões presentes. Apesar da tentativa de censura, o momento foi registrado por jornalistas de diversos países. Também tem início aqui a aliança entre o Papa e a mídia, que o acompanharia em suas muitas viagens pelo mundo.

Sua estratégia permanecia a mesma: não criticava o governo diretamente, mantinha a cordialidade sem deixar de transmitir suas mensagens. Já experiente em se comunicar com a população de maneira discreta, continuou usando sua voz para promover uma “virada” silenciosa, lenta, mas efetiva, contra o comunismo.

Atentado em 13 de maio de 1981

João Paulo II teve entre seus primeiros destinos a Turquia, com o objetivo de demonstrar abertura à Igreja do Oriente e, possivelmente, amadurecer a ideia de reunificação das duas igrejas. Na época, a Turquia já estava alinhada à política do Ocidente, aliada aos Estados Unidos e tornando-se um território estratégico para as bases da OTAN no Oriente Médio.

Durante a visita, um jornalista italiano recebeu um bilhete ameaçando a vida do Papa caso ele continuasse sua viagem, alertando seus potenciais aliados sobre o “enviado do Ocidente”. Mehmet Ali Ağca, o remetente do bilhete, era um assassino profissional, já preso pelo homicídio de um líder social-democrata turco. Conseguiu escapar cinco dias antes da chegada do Papa. A mensagem no bilhete, noticiada pelo jornalista que a recebeu, não era falsa, como muitos imaginavam.

No dia 13 de maio de 1981, enquanto acenava ao público em um carro aberto na Praça de São Pedro, o Papa foi atingido no abdômen por tiros disparados por Ali Ağca. João Paulo II foi socorrido imediatamente, passando por uma operação cirúrgica de cinco horas para garantir sua estabilidade — mas não ficou livre de sequelas físicas.

Quanto à investigação do atentado, surgiu a hipótese de que teria sido planejado pelo governo soviético, motivado pelo alcance das falas de João Paulo II. Os Estados Unidos acataram a teoria, mas ela logo foi descartada pela justiça italiana. Até hoje, não se sabe com certeza por que, nem com quem, Ali Ağca agiu.

Aliança com os EUA

Em suas viagens, João Paulo II se aproveitava de suas habilidades teatrais para ampliar o alcance de suas mensagens. Já com a aliança estabelecida com a mídia — não apenas católica —, o Papa buscava colocar a Igreja Católica novamente sob os holofotes do mundo. Contudo, ao visitar os Estados Unidos, não teve a reação esperada do público.

Seus hábitos e estratégias não funcionaram com uma sociedade de perfil mais liberal: pausas recebidas com silêncio, vaias durante a missa. A mídia, no entanto, parecia favorecer o Pontífice, descrevendo-o como “um grande líder mundial”. Algum tempo após a visita, os laços entre o Vaticano e os EUA começaram a se fortalecer, e, em 1984, consolidou-se uma aliança não apenas política, mas também financeira entre ambos, reabrindo o caminho para a aproximação entre os Estados Unidos e a Igreja Católica.

Mesmo com desavenças, as políticas de ambos se encontravam em ideais antimarxistas e antiliberais, aproveitando os princípios conservadores do então presidente americano Ronald Reagan. A parceria perdurou até 1989, quando os governos comunistas caíram e o interesse na aliança já não existia. Restava, então, apenas a discordância entre os objetivos nos campos econômico, humanitário e de cooperação defendidos pelos EUA e pela Santa Sé.

João Paulo II e a América Latina

Uma mesma ideologia pode ser adaptada e usada em diferentes contextos e formas pelo mundo. Sem um padrão fixo, um sistema originado no continente europeu pode ter uso e objetivo distintos na América Latina. De forma resumida, os ideais de base dos movimentos marxistas combatidos na Europa eram, em território latino-americano, apropriados por movimentos revolucionários que lutavam, à época, contra regimes de extrema direita.

Durante um período, a Igreja posicionou-se ao lado de governos pela promessa de combate ao ateísmo promovido pela esquerda. Nos pontificados de João XXIII e Paulo VI, iniciou-se uma divisão de grupos após reflexões sobre como a Igreja deveria se posicionar diante das violações humanitárias e das condições dos grupos pobres e fragilizados sob esses regimes, voltando-se para um enfoque mais social. Esse pensamento seria posteriormente reconhecido como Teologia da Libertação, que legitimava a luta revolucionária.

Em visita à América Latina, João Paulo II reconheceu a importância de políticas que priorizavam questões humanitárias já populares no clero local, mas tentou manter seu objetivo ideológico. Deu preferência aos pobres, com a condição de que essa luta não fosse vinculada à política revolucionária. Alertou sobre interpretações do Evangelho que poderiam afastar os fiéis da Igreja, afirmando não haver necessidade de recorrer a ideologias políticas para combater injustiças, pois os Evangelhos já continham as respostas. Criticou abertamente as injustiças cometidas pelos regimes no poder, mas sua mensagem era clara: os movimentos revolucionários marxistas deveriam permanecer separados das lutas contra injustiças sociais.

O tratamento dado à América Latina acabou sendo ambíguo. Havia uma luta pela libertação, mas ela era interpretada de forma distinta aos olhos do Papa, se comparada à luta no Leste Europeu. A visão de João Paulo II vinha carregada por sua própria experiência: ele viveu sob um regime autoritário comunista em um sistema mundial bipolar. Suas ações e ideias para a América Latina foram vistas como rígidas, e a considerada falta de flexibilidade para compreender as questões regionais o afastou da Igreja latino-americana. Sua abertura só viria anos depois, marcada por eventos como a visita a Cuba, onde foi recebido por Fidel Castro.

Últimos anos de papado

Antes do avanço de seu declínio de saúde, João Paulo II já havia se consolidado como pacifista em diferentes situações e conflitos, sempre preferindo a rota mais longa para a resolução de problemas que ameaçavam a liberdade e a paz. Não se contentou com o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim, preocupado que o vácuo de poder deixado pelos governos soviéticos abrisse espaço para o desenfreado avanço do capitalismo e uma possível continuidade da divisão entre a Europa Ocidental e a Oriental.

Seu objetivo era continuar os esforços para alcançar uma Europa unida, protegendo suas comunidades cristãs sob a figura moral do Papa. Já no fim de seu papado, mesmo com os esforços do Vaticano para minimizar seu estado de saúde, a fragilidade do Pontífice não era segredo. Mesmo debilitado, não abriu mão de suas obrigações e projetos, sem se render nos últimos momentos. No dia 30 de março de 2005, fez sua última aparição pública, tentando falar ao microfone, mas sem sucesso. No dia 2 de abril do mesmo ano, faleceu.

No legado deixado por João Paulo II, além do conservadorismo defendido na dinâmica interna da Igreja, destaca-se a resiliência na defesa de seus ideais para a política externa do Vaticano. Trabalhou não só pelo fim do comunismo, mas pela unificação e defesa dos cristãos, independentemente do lado em que se encontrassem. Em um sistema polarizado, com relações fragilizadas, sua prioridade era trazer de volta a luz à Igreja Católica.


Bárbara Stéphane Soares de Sales

Graduanda de Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba. Integrante do Grupo de Pesquisa do Centro de Estudos em Política, Relações Internacionais e Religião (CEPRIR- CNPq/UEPB). Currículo Lattes.


Recomenda-se a leitura de

CARLETTI, Anna. O internacionalismo vaticano e a nova ordem mundial: a diplomacia pontifícia da Guerra Fria aos nossos dias. Brasília: FUNAG, 2012. 

Este texto não deve ser reproduzido sem permissão

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