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Esperanças renovadas para o catolicismo na China através de uma nomeação surpresa

Felipe Vidal Benvenuto Alberto (PPGRI/UERJ)

No último dia 9 de julho, após celebrar o Angelus, oração que remete ao momento da Anunciação do Anjo Gabriel a Maria e é realizada dominicalmente na Praça São Pedro, o Papa Francisco anunciou um Consistório para a criação de 21 novos cardeais. A informação da assembleia cardinalícia, que ocorrerá no dia 30 de setembro, chegou como uma considerável surpresa mesmo para os vaticanistas mais atentos. Francisco tem promovido reformas estruturais relevantes em uma Igreja que cada vez tem mais dificuldade em manter sua relevância de outrora, mas poucos poderiam apostar que em uma só tacada o Sul Global viria com tanta força ao Colégio de Cardeais.

Em meio à longa lista de nomes anunciados, incluindo latinos, africanos e asiáticos em profusão — comparando-se com outros momentos recentes da Igreja —, um prelado chamou atenção especial: o honconguês Stephen Chow Sau-yan (周守仁). Sua escolha foi acolhida com imensa alegria em Hong Kong, bem como em muitas comunidades católicas na China continental.

Papa Francisco em encontro com Dom Stephen Chow no Vaticano
(Fonte: South China Morning Post)

O jesuíta, de 64 anos, é atualmente bispo da Diocese de Hong Kong desde 2021, quando o próprio Papa Francisco o incumbiu do cargo através das mãos do célebre cardeal e bispo emérito, também honconguês, John Tong Hon (湯漢). Sua ascensão ao posto veio no difícil contexto construído em Hong Kong através da Lei de Segurança Nacional imposta por Beijing a fim de desbaratar o movimento pela democracia, oficialmente chamada de Lei da República Popular da China sobre a Salvaguarda da Segurança Nacional na Região Administrativa Especial de Hong Kong (中華人民共和國香港特別行政區維護國家安全法). Após o anúncio papal do dia 9 de julho, a Diocese emitiu uma declaração exortando os fiéis a continuarem a rezar pelo futuro cardeal e pela lutas diárias daquela região.

Dom Stephen Chow recebendo o bispado de Hong Kong das mãos do Cardeal John Tong, em 2021 (Fonte: Jesuit Conference of Asia Pacific)

De acordo com portais de notícias que buscam manter informadas as comunidades católicas da China continental, o anúncio virou manchete com um tom de felicidade “em dose dupla”, pois, há alguns dias, Stephen Chow já havia sido nomeado como membro do Sínodo. Essa decisão é de suma importância para o atual momento das relações sino-vaticanas, uma vez que, apesar da renovação do acordo provisório entre as partes acerca das nomeações episcopais, nenhum prelado da China continental está autorizado a viajar a Roma para este evento.

Chow é visto por especialistas como um dos religiosos de Hong Kong mais empenhados na construção de pontes com Beijing. Além de ter realizado recente viagem à capital chinesa, a primeira visita oficial de um bispo de Hong Kong desde que o território foi devolvido pelo Reino Unido à China, em 1997, o provincial jesuíta sabidamente mantém contato com membros da Igreja na China continental. A despeito disso, o portal oficial de notícias da Associação Patriótica Católica Chinesa (中国天主教爱国会) não divulgou a notícia de imediato.

O órgão, que responde diretamente ao governo do Partido Comunista da China (中国共产党), tem se mostrado como uma das maiores barreiras para a normalização das relações sino-vaticanas, já que representam, grosso modo, a estatização da prática religiosa por parte do governo chinês e seus membros mais influentes politicamente enxergam o diálogo com o Vaticano como uma ameaça ao seu poder.

Apesar das altas expectativas pela construção de um novo cenário, Dom Stephen Chow será o quarto cardeal na história de Hong Kong. Dois ainda estão vivos: o sempre combativo Joseph Zen Ze-kiun (1932-) e o supracitado John Tong Hon (1939-). O primeiro de todos, John Baptist Wu Cheng-chung (胡振中), criado cardeal por João Paulo II em 1988, faleceu em 2002.

Cauteloso por natureza, Chow está firmemente convencido da importância de evitar maiores segregações. No entanto, nos últimos meses, ele não se esquivou das dificuldades que Hong Kong enfrenta hoje. Em artigo publicado no fim de 2022 pelo periódico diocesano Sunday Examiner, ele reconheceu a mudança da situação, motivando os fiéis a “serem tão resilientes quanto a grama” e agirem “rompendo as rachaduras”.

Na sua última mensagem de Páscoa, Chow mencionou as mais de seis mil detenções relacionadas com os protestos pró-democracia de 2019 e expressou corajosamente a esperança de que “os que estão na prisão possam ver a luz um dia”. Vale lembrar que uma das prisões recentes que mais chamou atenção, ainda que tenha sido relativamente curta, foi do próprio Cardeal Joseph Zen Ze-kiun (陳日君樞機), que foi pego em meio aos protestantes de rua e teve sua liberação condicionada a uma série de comprometimentos e sua idade avançada — 91 anos.

Também em vista disso, sua nomeação assume um significado particular para Hong Kong. O anúncio da nomeação do bispo Stephen Chow como cardeal é importante porque a cidade e a diocese de Hong Kong vivem um dos momentos mais difíceis da sua história. Esta nomeação indica que o Papa e a Santa Sé estariam próximos e atentos ao bispo, à diocese e ao povo daquela região.

O silêncio do Papa diante das detenções e repressões promovidas pela Lei de Segurança Nacional ofendeu muitos católicos. Também o longo hiato antes da nomeação do novo bispo — a Diocese de Hong Kong estava vaga há quase três anos — foi visto com grande preocupação pela comunidade católica da região. Com a sua escolha, o pontífice indica que Hong Kong ocupa um lugar importante entre as suas preocupações, tal como o importante e caloroso encontro com o Cardeal Zen, no dia 6 de Janeiro, na ocasião do falecimento de Bento XVI.

Cardeal Joseph Zen, Papa Francisco e Padre Carlos Cheung em encontro no Vaticano
(Fonte: Vatican News)

Como referido anteriormente, em abril passado, juntamente com os seus assessores mais próximos, Dom Chow viajou para Beijing, onde se encontrou com Dom Joseph Li Shan (李山), Arcebispo da Arquidiocese de Beijing, e com a comunidade católica local, em memória do Padre Matteo Ricci, hoje considerado venerável pela Santa Sé. É possível que, com esta nomeação, o Papa queira que o Bispo de Hong Kong faça a tão complexa ponte entre a Igreja Católica Apostólica Romana, na pessoa jurídica da Santa Sé, e a Igreja Chinesa, representada pela Associação Patriótica Católica Chinesa.

Dom Stephen Chow e Dom Joseph Li Chan separados por um quadro com o rosto de Matteo Ricci, jesuíta que levou o catolicismo à China
(Fonte: South China Morning Post)

Por fim, é de se destacar simbolicamente que o brasão episcopal escolhido por Joseph Chow, há dois anos, possui o lema jesuíta, em latim, juntamente com a representação da ponte Tsing-Ma (青马大桥), que conecta Hong Kong ao continente. Segundo o próprio religioso, tal brasão passa a mensagem de que “a missão da Igreja é ser uma ponte para diferentes partes se encontrarem passando por ela”.


Por Felipe Vidal Benvenuto Alberto (PPGRI/UERJ)

Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGRI/UERJ) como bolsista da CAPES. Pesquisador do Núcleo de Estudos Atores e Agendas de Política Externa (NEAAPE/IESP), do Centro de Estudos em Política, Relações Internacionais e Religião (CEPRIR/UEPB) e do Grupo de Estudos sobre China (GECHINA/UnB). Bacharel em Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais (LEANI) pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ), com período de mobilidade cursado na Faculté des Sciences Juridiques, Politiques et Sociales da Université de Lille, na França. Sócio Estudante da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI), da International Political Science Association (IPSA), da International Studies Association (ISA) e da Asociación Latinoamericana de Ciencia Política (ALACIP). E-mail: fvidal804@gmail.com


Recomenda-se a leitura de: 

ALBERTO, Felipe Vidal Benvenuto. O Catolicismo na China: Um Eterno Limbo Entre o Histórico Conturbado e as Demandas Contemporâneas. Terracota: a Revista do GECHINA, v. 1, n. 3, p. 20-34, 2023. Disponível em: https://www.academia.edu/attachments/104500083/download_file?s=portfolio

CARLETTI, Anna. Diplomacia e Religião: Encontros e Desencontros nas Relações entre a Santa Sé e a República Popular da China de 1949 a 2005. Brasília: FUNAG, 2008.

CARLETTI, Anna. A Faith Diplomacy de Xi Jinping: as Implicações Político-Religiosas do acordo provisório sobre a nomeação dos bispos católicos na China. Conjuntura Internacional, v. 16, n. 3, p. 24-33, 2019. Disponível em: https://periodicos.pucminas.br/index.php/conjuntura/article/view/20505/16561

CHAMBON, Michel. Making Christ Present in China: Actor-Network Theory and the Anthropology of Christianity. Londres: Palgrave Macmillan, 2020.

CLARK, Anthony. China’s Catholics in an Era of Transformation: Observations of an “Outsider”. Singapura: Palgrave Macmillan, 2020.

LYNCH, Andrew. Beijing and the Vatican: Catholics in China and the Politics of Religious Freedom. SAGE Open, v. 4, n. 4, p. 1-10, 2014.

ZEN, Joseph. For Love of My People I Will Not Remain Silent: On the Situation of the Church in China. San Francisco: Ignatius Press, 2019.

Este texto não deve ser reproduzido sem permissão.

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